quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ótimo o artigo sobre a polêmica ocasionada pelas declarações de Amado Batista. Eberth Vêncio acertou a mão ao escrever “VOCÊS MÃES SÃO CRIATURAS TERRÍVEIS.”

Não sei quanto a vocês, mas eu considero a tortura um dos crimes mais escabrosos e abjetos de que seja capaz um ser humano. Repercutiu muito uma entrevista concedida pelo ex-balconista de livraria e ex-sex-appeal da música brega-sertaneja, Amado Batista, na qual ele afirmou ter merecido, sim, sem dúvidas, as torturas sofridas durante o período de ditadura militar no Brasil.

Valendo-se de invulgar analogia poética, o cantor popular comparou a brutalidade por que passou aos 18 anos a, nada mais, nada menos, que um justo corretivo de mãe, uma prova de amor, se não a ele próprio (suposto jovem desajuizado a serviço dos revolucionários), ao país ameaçado pelos comunistas. A confissão proferida num impensável viés pegou a muitos de surpresa (inclusive a entrevistadora), causando estranheza e estupefação.

No fundo, no fundo, acabei assolado por uma duvidazinha das mais atrozes. O que seria pior: uma mãe descompensada com um porrete na mão correndo pelos corredores da casa ou um militar torturador com um fio desencapado em punho sapecando os testículos de um estudante? Sei lá. Nas entrelinhas da entrevista de Amado Batista, eis que brota razoável a possibilidade de se apartar e dosar a maldade humana, seja ela proveniente das impacientes senhoras do lar ou dos sádicos agentes dos desgovernos militares.

Coincidentemente, foi Dona Sueli — fã inarredável de Amado Batista que há anos trabalha lá em casa — quem me contou uma marcante estória. Aos dez anos de idade, quando morava com a família na roça, Sueli e duas irmãs mais novas foram obrigadas pela mãe a comerem juntas um prato de arroz cru. Quem vacilasse, reclamasse ou choramingasse apanhava na boca até cumprir a missão.

O cruel (educativo?) castigo foi a elas impingido porque, metidas em traquinagens infantis, acabaram por derrubar uma bacia de arroz no chão de terra do quintal. Absolutamente, Dona Sueli nunca considerou que o castigo fosse merecido, mesmo assim, com paciência e gratidão, continua trocando as fraldas geriátricas da velhota e a levando periodicamente às sofríveis sessões de quimioterapia no Hospital do Câncer.

Mesmo amando o Amado Batista (e a mãe moribunda) até o tutano, Dona Sueli não aprova nem um pouco as suas revelações. Só de pensar nas atrocidades sofridas por ele nas mãos dos covardes fardados, ela sente uma repulsa profunda, similar à que sentira nos idos tempos de meninice, quando impelida a engolir aquele cardápio nada palatável, senão aos galináceos. “Come tudo, suas galinha!”, ordenava mamãe aos berros.

Difícil mesmo foi suportar ouvir “Dinamite de Amor”  20 vezes consecutivas no churrasco em comemoração aos 20 anos de casados de Dona Sueli e Seu Apolinário. Este hit de Amado Batista embalou os primórdios do namoro do casal em 1988, quando se conheceram numa festa de rodeio num parque agropecuário de Goiânia. Se, porventura, a senhora ler este texto, não me leve a mal, Dona Sueli: a picanha estava ótima, mas a trilha sonora… Aquilo, sim, foi pra mim uma tortura e tanto.

Botei a velha cachola pra funcionar e fiquei matutando quantas vezes apanhei da minha mãe. Com muito custo, recordei-me de um único bofetão que tomei na fuça (acho que eu contava uns 13), enquanto minha mãe preparava uma massa de rosca. Lembro de ter ficado com a cara lambida, lambrecada de farinha, e uma mudez que, por si só, já dizia tudo. Aquele, sim, foi um bofetão dos mais merecidos, pois nada mais significava senão um revide à altura às grosserias que eu acabara de lhe dizer.

Não sei se esta tal Comissão Nacional da Verdade vai entrar no mérito da questão, no que tange ao abrandamento da culpabilidade dos senhores torturadores, os quais, quem sabe, raciocinando bregamente, agiam nos ardilosos porões da ditadura por puro diletantismo, amor à pátria, instinto maternal, ora e essa! De minha parte, eu apoio a absolvição plena das mães, da maioria delas, para ser mais exato, pois há também as megeras, as mentecaptas, as simpatizantes de carrascos.

Quanto aos torturadores aposentados, desejo-lhes indigestos pratos de arroz cru. E que Amado Batista, este torturado, renomado e reconhecido artista popular, não me queira mal. É que eu prefiro muito mais ouvir todo aquele disfarçado repertório subversivo que fazia a cabeça da juventude sonhadora que viveu as durezas da ditadura brasileira. O resto, pra mim, é dinamite.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

terça-feira, 11 de junho de 2013

A ciência contra a birra: Entenda por que as crianças reagem de forma explosiva diante dos menores desagrados e aprenda a controlar esses ataques de fúria com a ajuda da neuropediatria. (por Vanessa Vieira)

Não importa de onde você venha: se existem crianças lá, elas fazem birra. Pode ser o filho de um feirante brasileiro, de um lorde inglês ou um pequeno candidato ao posto de Dalai Lama, no Tibete - todos são capazes de se jogar no chão, berrando e esmurrando o piso, diante de fatos triviais como a recusa do pai em comprar um brinquedo ou a interrupção da diversão com os coleguinhas na hora de tomar banho. Se você se pergunta por que coisas tão corriqueiras têm o poder de tirar os pequenos do sério - e, eles, você -, saiba que a explicação está no desenvolvimento incompleto de nosso cérebro quando nascemos. A mesma razão pela qual os filhotes humanos dependem tanto dos pais durante a infância e a adolescência. Em formação, volta e meia os cérebros dos pequenos parecem entrar em curto-circuito.
Uma das áreas que não nascem prontas é a parte superior da massa cinzenta, composta pelo neocórtex. Essa região, que corresponde a 85% do cérebro, é responsável por capacidades como reflexão, planejamento, imaginação, pensamento analítico e solução de problemas. Mas nos primeiros anos de vida, faltam conexões suficientes entre os neurônios que existem lá. "As crianças nascem com muitas áreas sem a camada de gordura que reveste os axônios, responsáveis pela transmissão dos sinais cerebrais entre as células nervosas", explica o neuropediatra Mauro Muszkat, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É como se um lustre viesse da fábrica com todas as lâmpadas, mas, em parte delas, faltassem os fios que permitem que elas acendam (não se preocupe, mais tarde, por volta dos seis anos de idade, tudo se iluminará). Na ausência de conexões neuronais adequadas nos primeiros quatro anos, a atividade mais intensa acontece nas partes inferiores, mais primitivas.
São as áreas que os cientistas apelidaram de cérebros reptiliano e mamífero. O primeiro é a parte mais profunda e antiga do cérebro humano, pouco modificada pela evolução. Para se ter uma ideia, ela é basicamente igual em todos os vertebrados - o elo perdido entre aquele bebê da propaganda de fraldas e uma lagartixa. Regula funções básicas relacionadas à sobrevivência, como fome, respiração e digestão. E reações instintivas de defesa e ataque, ligadas ao sentido de autopreservação da espécie e à defesa territorial. Já o cérebro mamífero é equipado com habilidades para a convivência e a construção de relações sociais. Também conhecido como cérebro emocional, inclui o sistema límbico, estrutura cerebral que desperta emoções fortes, como raiva, medo e estresse associado à separação. Enquanto a parte mais primitiva do cérebro já vem bem desenvolvida desde o nascimento, a parte superior - nosso cérebro racional, composto pelo neocórtex e em particular pelos lobos frontais, que comanda o pensamento racional, a capacidade de solucionar problemas, criatividade e imaginação - só atinge sua plena maturidade por volta dos 25 anos de idade. "É uma das últimas partes do cérebro a se desenvolver, e permanece em constante construção durante os primeiros anos da vida", diz o pediatra e psiquiatra Daniel Siegel em seu livro The Whole Brain Child (algo como "O cérebro integral do bebê"), sem tradução no Brasil. Por isso, alguns comportamentos que queremos que nossas crianças demonstrem são praticamente impossíveis para elas. "A habilidade de tomar decisões equilibradas, controle emocional, ética e capacidade de prever as consequências de seus atos dependem de uma parte do cérebro que ainda está em formação, e que não está disponível para elas todo o tempo", afirma Siegel, que também é pesquisador na Universidade da Califórnia.
Cérebros em fúria
Uma crise de birra significa que um de três alarmes - raiva, medo ou temor da separação - foi acionado na parte inferior, mais primitiva, do cérebro infantil. Esses sistemas, que fazem, por exemplo, com que o bebê se sinta terrivelmente inseguro ao menor afastamento dos pais, ou se assuste e chore diante de um barulho, foram originalmente desenvolvidos para proteger os filhotes de situações perigosas, como ser devorados por um predador. "No mundo moderno, os estímulos para acionar os sistemas de medo ou raiva podem ser você saindo do quarto, uma porta batendo ou um coleguinha pegando um brinquedo dele", diz a psicóloga Margot Sunderland, autora do livro The Science of Parenting (que poderia ser traduzido como "A Ciência da criação de filhos"), sem edição no Brasil. "Sem o auxílio da parte superior do cérebro para racionalizar e se acalmar, o resultado é que a criança fica superexcitada, com altos níveis de substâncias químicas associadas ao estresse percorrendo seu corpo e cérebro", afirma Sunderland, diretora de educação e treinamento no Centre for Child Mental Health, em Londres.
Nessas situações, a amígdala, uma das regiões da parte inferior do cérebro, normalmente disparada em situações de perigo, bloqueia as conexões da parte racional com a parte mais instintiva. "É como se um portãozinho de segurança fosse colocado na base de uma escada, tornando o acesso ao cérebro superior inalcançável", diz Daniel Siegel. Ou seja: não bastasse o cérebro ainda estar em construção, quando os pequenos estão sob forte estresse, algumas áreas dele ficam inacessíveis às crianças pequenas durante o momento da birra. E aí, mesmo sendo muito bem educada, fica difícil se controlar.
Trabalho em equipe
Até os quatro anos, essa falta de sintonia na cabeça dos pequenos tem um agravante: nessa idade, os dois hemisférios cerebrais ainda não trabalham de forma totalmente integrada. Se você já conviveu com uma criança pequena - seja seu filho, sobrinho ou aquele menino barulhento do apartamento de cima -, deve ter percebido que até essa idade as crises de fúria parecem nunca ter fim. Nessa fase, ainda não há fibras mielinizadas suficientes no corpo caloso, que conecta os dois hemisférios cerebrais. Como Tico e Teco ainda não se conhecem muito bem, falta um trabalho em equipe que é crucial para um comportamento equilibrado. Enquanto o lado esquerdo é responsável pelo pensamento lógico, linear e pela linguagem, o direito é intuitivo, emocional e não-verbal. Quando esse último trabalha sozinho, somos dominados por sensações físicas e emoções.
É mais ou menos o que acontece com as crianças de menos de quatro anos, nas quais esse lado do cérebro é dominante. Elas ainda não têm a habilidade de recorrer à lógica e às palavras para expressar seus sentimentos e vivem completamente no presente. "Por isso são capazes de deixar tudo para se ajoelhar e observar com toda a atenção uma joaninha atravessar a calçada, sem se preocupar se estão atrasadas", diz o pediatra. É essa inundação emocional também que explica a choradeira desproporcional do pequeno simplesmente porque você não deixou que ele mexesse num objeto na casa que vocês foram visitar.

Driblando o choro
Mas, se não dá para evitar as birras, é possível pelo menos contorná-las. O truque: tentar ajudar o bebê a integrar melhor as diferentes partes do cérebro, colocar as cabecinhas para trabalhar de forma coordenada, com a lógica do lado esquerdo do cérebro ajudando a controlar as emoções do lado direito, e a parte superior permitindo racionalizar e analisar as reações instintivas e viscerais da parte inferior. Como acontece com os adultos (pelo menos é o que esperamos).
Por isso, segundo o pediatra Daniel Siegel, no auge da crise da criança, quando o hemisfério direito está predominante, o melhor é abordá-la de forma emocional. Para isso, quando começar a birra, abrace-a, use expressões faciais empáticas e um tom de voz carinhoso. Traduza em palavras os sentimentos que ela própria não consegue descrever - já que seu hemisfério esquerdo, responsável pela linguagem, não está no comando. Diga frases como: "Eu entendo que você ficou muito chateado porque seu coleguinha teve de ir embora. É muito chato quando isso acontece". Isso vai acalmá-la. Depois, ajude-a a retomar a conexão com o hemisfério esquerdo, pedindo que ela mesma recorra à linguagem para explicar por que ficou chateada e propondo alternativas para resolver o problema. Pode dizer algo como: "O que você acha que a gente pode fazer para ficar divertido de novo? Do que nós dois poderíamos brincar?".
Como até os quatro anos de idade a atividade no hemisfério esquerdo - responsável pelo pensamento lógico - é limitada, não surtirá nenhum efeito argumentar com a criança. Nem gaste seu latim explicando por que você não pode comprar aquele brinquedo agora. Mesmo que você seja muito didático, as probabilidades de que ela entenda são pequenas. Como não existe uma percepção clara de linearidade e passagem do tempo, tampouco adiantará prometer para depois. O modo mais rápido de acabar com a birra, sugerem os especialistas, é atrair a atenção da criança para outra coisa, seja mostrando outro objeto interessante ou fazendo algo inusitado para distrair a criança do motivo da crise. Vale mostrar o elevador do shopping ou convidá-la para um passeio na escada rolante.
Outra estratégia para evitar os acessos de manha é tentar ajudar a criança a acessar a parte superior do cérebro, em vez de atiçar a parte inferior, mais reativa e instintiva. Para isso, ao vê-la tentar pegar um enfeite de vidro na sala, em vez de gritar "não" e impedi-la - o que pode provocar uma reação furiosa -, proponha algo que a obrigará a considerar um plano e fazer uma escolha, atividades relacionadas à parte superior do cérebro. "Vamos brincar lá fora? O que você acha que poderíamos fazer?".
E se nada disso funcionar, você ainda tem uma opção: colocar a criança para correr. É sério. A atividade física pode alterar a química cerebral. Para evitar que os hormônios ligados ao estresse assumam o comando, convide-a para correr no jardim ou brincar de não deixar o balão cair - e veja como ela muda de astral.
Paz e amor em família
Outra dica valiosa para evitar birras e diminuir a quantidade delas a longo prazo: controle-se você também. O neuropediatra Mauro Muzkat, da Unifesp, alerta que o estado emocional dos pais tem grande impacto sobre o comportamento dos filhos e o nível de excitação da criança. "Graças aos neurônios-espelho, as crianças reproduzem desde as expressões até as sensações dos pais", diz ele. "Se a criança está tensa, os pais não devem entrar no mesmo circuito reativo. Isso só vai pôr mais lenha na fogueira", afirma.
Se, ao contrário, você conseguir manter uma boa atitude cada vez que um novo acesso de fúria da criança acontecer, terá boas chances de ajudá-la a programar seu cérebro para ficar mais calma também a longo prazo. Afinal, pesquisas revelaram que o cérebro é plástico, moldável. Ou seja: as dicas aqui valem para os momentos de birra, mas poderão surtir efeitos positivos durante todo o resto da vida da criança.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

EU GOSTO DE LER PAULO COELHO, DE TOMAR INJEÇÃO E DE COMER JILÓ… EU GOSTO. E GOSTO NÃO SE DISCUTE, CERTO?(EBERTH VÊNCIO)

 

"Eu nunca sonhei com você, nunca fui ao cinema, não gosto de samba, não vou a Ipanema, não gosto de chuva, nem gosto de sol"

(Tom Jobim)

Eu gosto também de me resfriar com as chuvas de verão. Gosto da coriza, dos 40 graus de febre, de curtir ressaca brava e de preparar fumegantes chás de boldo. De amarga, já basta a vida? Ao contrário das seriemas e do resto da humanidade, eu gosto das cobras (porque, como eu, elas engolem sapos).

Eu gosto de votar em políticos que adesivam o meu carro com fotos, números e slogans, que encham semanalmente o tanque de gasolina, e que coloquem créditos no meu aparelho celular. Eu gosto de acordar bem cedo no domingo e votar no primeiro candidato cretino que me venha à mente. Bom mesmo é vender o voto. Eu gosto de desfazer planos para o futuro, entende?

Eu gosto de provocar indignação, de gerar dúvidas. Eu gosto de contrair matrimônio e dívidas. Eu gosto de adoecer só para ler as bulas de remédios. Eu gosto de atestados médicos. Eu gosto de remediar. Eu gosto de furar qualquer tipo de fila, desde que não sejam filas da puta, nem filas para as câmaras nazistas para extermínio. Eu gosto do atual salário mínimo.

Eu gosto de levar susto. Eu gosto do atendimento do SUS. Eu gosto de hospitais, do cheiro do éter, de viajar na maionese, ser acometido por colônias de salmonelas e pensamentos inovadores. Eu gosto das dores do parto. Eu gosto da diarreia, da gonorreia e dos biscoitos embolorados da Dona Neia. Eu gosto de comer hóstia, escargot e o pão que o diabo amassou.

Eu gosto de carregar bíblias sob o sovaco para construir escolioses eternas. Eu gosto de suar a camisa em templos lotados de crentes. Eu gosto de cerveja quente, de boi doente e de mulher da gente. Eu sou como a maioria de vocês: eu gosto de me sentir diferente, embora que seja igual a todo mundo.

Eu gosto dos shows que atrasam além dos vinte minutos previstos em lei. Eu gosto de frequentar baladas com música ruim, só pra pegar mulher boa. Eu gosto das poposudas da laje, das peitudonas da marquise, das siliconadas do terraço. Eu gosto (admiro pra-caralho) de todos os cirurgiões plásticos do planeta. Eu gosto de cantar de cor e salteado todos os refrões onomatopeicos da música popular brasileira, desde o "tchan tchan tchan tchan tchan" até o "tchê tchererê tchê tchê". Eu gosto, enfim, de todo tipo de música comercial que venda bem não importando a quem. Eu gosto mesmo é da quantidade.

Eu gosto de construir torres gêmeas com livros de capa dura, principalmente os clássicos da literatura, a chamada "leitura essencial". Eu gosto de meter o pé em todas elas, derrubando-as como se fosse Bin Laden. Eu gosto de toda aquela filosofia esparramada pelo chão. Eu gosto de desmentir os Pensadores.

Eu gosto de frequentar academias literárias, de acordar os velhinhos imortais recostados nas suas bengalas, de tomar chá gelado com eles, de comer bolachas sabor água e ouvir saraus insossos. Eu gosto de gente que não larga o osso. Eu gosto de massagear o ego dessa gente. Eu gosto das massagens a quatro mãos das universitárias legítimas que executam qualquer fantasia sexual, até o fim e sem frescura.

Eu gosto do calor da discussão. Eu gosto de ficar preso no congestionamento curtindo o por do sol. Eu gosto de saber que a indústria automobilística quebrou mais um recorde de vendas de carros novos. Eu gosto da isenção do IPI. Eu gosto das metas do Governo. Eu gosto de superávits primários, embora não faça ideia do que isto significa. Eu gosto de me divertir com depoimentos na CPI do Congresso. Eu gosto de pagar Imposto de Renda. Eu gosto das calcinhas de renda da Doutora Mirtes.

Eu gosto do horário eleitoral gratuito. Eu gosto de ouvir "A Voz do Brasil". Eu gosto das propagandas da Casa Bahia. Eu gosto de depilar as virilhas. Eu gosto da cava rasa, da cava funda, da depilação a laser e do lazer garantido. Eu gosto do meu urologista. Eu gosto dos períodos de carência dos planos de saúde. Eu gosto de brindar com vinho barato.

Eu gosto de quebrar o espírito natalino. Eu gosto desta fama de ateu. Eu gosto de contar piadas em velórios. Eu gosto de parar o carro em fila dupla para espiar como foi mesmo o acidente. Eu gosto de dor de dente. Eu gosto de beijar o seu mau hálito. Eu gosto de tártaros. Eu gosto dos meus maus hábitos. Eu gosto de nadar e morrer na praia. Eu gosto de ressuscitar dúvidas ao terceiro dia. Eu gosto das terceiras vias.

Eu gosto das vaias, dos apupos e das poluções noturnas sobre o lençol. Eu gosto dos efeitos colaterais dos remédios e das reações adversas dos críticos. Eu gosto do suposto romance de Cristo com Madalena. Eu gosto do sabor da cibalena. Eu gosto de criar polêmicas em cativeiro. Eu gosto de ler poesia no banheiro. Eu gosto do gosto de fel dessas palavras. Eu gosto de fingir delírios. Eu gosto. E gosto não se discute, certo?

POR EBERTH VÊNCIO EM 15/02/2013 ÀS 01:06 PM “Sosseguem. Meus dois canos fumegantes só atiram palavras”. Publicado em colunistas "Jogos, trapaças e dois canos fumegantes" (Guy Ritchie, 1998).

(texto retirado de “BULA REVISTA”)

clip_image001É importante deixar claro que o medo do escuro faz parte do rol de fraquezas de qualquer ser humano dito “normal”. Por isso mesmo, a minha repulsa pelas sombras. Não sou emo, não sou dark, nem sou punk: eu simplesmente despertenço a qualquer modalidade de tribo.

É importante frisar que, apesar de ser uma mulher — criatura elencada com defeitos insolúveis, como menstruar, parir e chorar aos menores esforços — eu posso também odiar, trucidar como o mesmo élan do homem que matou o facínora, ou de um homem-bomba, ou do melhor homem de todos os homens do presidente. Sabia que alguns exércitos já permitem (toleram) que mulheres engrossem as suas fileiras? Hoje em dia, engrossar o caldo em casa é coisa só para as amélias.

É importante que você saiba: eu não sei quem mexeu no seu queijo. Não me leia com esta cara de espanto: os ratos também festejam os entulhos em mim.

É importante que surja no próximo conclave do Vaticano o nome de um Papa minimamente assemelhado ao cidadão comum — o brasileiro comum, por exemplo — cuja fé incomum jamais se abala, mesmo nos momentos mais caóticos do viver, quando então a crença num Ser Superior parece, na verdade, um surto dos mais inferiores. Eu também não sei por que Bento XVI renunciou ao papado. Não se deve esperar toda a verdade, muito menos da parte do alto clero. O último a sair, por favor, apague a luz da sacristia.

É importante que a abertura de novos templos fomente a receita, o balanço patrimonial e o fluxo de caixa das igrejas. Muito mais do que acreditar em dogmas, é preciso compreender que a fé (mais que a matemática) involui em regressão geométrica.

É importante que a métrica nunca mais se intrometa e volte a fazer parte da estrutura de um poema (retroceder, jamais!). Eu sinceramente espero (eu praticamente imploro) que a poesia continue a ser publicada pelo maior número possível de editoras, a despeito do inegável prejuízo financeiro que ela representa. Nunca se sabe quando vamos precisar da lira. Conheço um sujeito que desistiu de tomar raticida com coca-cola depois de ler “Os Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello. Ao se depararem com poemas como este, até as ratazanas beberiam os seus goles de humanidade.

É importante que ninguém se sinta diminuído por preferir ficar sozinho. Nadar contra a correnteza pode parecer uma coisa bastante idiota, porém, num mundo com tamanhas incertezas, uma a mais, uma a menos, não faz a menor diferença. Portanto, aceitem o meu isolamento. Melhor que isto: unicamente, para o seu conforto, imaginem que eu esteja apenas passeando com amigos numa gôndola em Veneza.

É importante que a indústria farmacêutica evolua nalguma espécie de silicone neuronal cujo implante através de uma das têmporas permita a injeção de juízo na massa encefálica de homens e mulheres. Urge preencher o tempo vazio e o espaço morto, ao invés dos peitos murchos.

É importante que os velhos jamais se furtem em caducar. Ao que parece, numa situação tão crítica e caótica quanto a velhice, faz-se mister esquecer para não mergulhar na insanidade. Aqueles poucos que insistem acabam reféns de Alzheimer.

É importante conhecer a Alemanha, a França, o Reino Unido, o Caribe e, até mesmo, a Disney (O Mundo da Fantasia). Eu admito: não dá mais pra ficar levando o mundo real tão a sério.

É importante buscar algum grau de importância moral na morte (a importância social parece evidente), além do expurgo e da mera assepsia. Para o equilíbrio ideal das coisas, não seria mais aceitável à humanidade parar de nascer, ao invés de morrer o que se ama? Eis aqui uma pergunta que não se calará nem mesmo após o último suspiro.

É importante dar algum crédito aos fatos desimportantes, como um mentecapto que fala com o vazio. Quem poderá assegurar que ele, na verdade, não esteja falando para olhos e ouvidos de outra dimensão? Você já ouviu falar em vidas paralelas? E em palavras cruzadas? Vou sair pela tangente.

É importante que os trocadilhos sejam usados com parcimônia, em doses homeopáticas, pois, o exagero poderá matar um belo texto em potencial. Agora, a chatura exponencial continua a matar de raiva qualquer leitor mais exigente.

É importante que a minha masculinidade não seja questionada pelo simples fato de eu me fazer passar por uma mulher. Há séculos os homens utilizam este artifício, ao se travestirem em busca da autoafirmação. Posso lhes afirmar, sem nenhum receio: eu não me sinto nem um pouco inadequado ao me deparar com um bebê sugando um seio.

É importante ressaltar os benefícios da fantasia no cotidiano do abilolado homem moderno. O faz-de-conta — assim como a oração e as juras de amor eterno na alcova — é uma ilusão passageira, um quase nada perto do que representa estar lúcido e alerta 16 horas ao dia. Normas, leis, regulamentos, estatutos... Ora, ninguém merece tanta ordem!

É importante falar de tudo ao mesmo tempo, num exercício preguiçoso de se dizer praticamente coisa alguma. Ou seja, confundir os pensamentos faz parte da estratégia de qualquer escritor melindroso, mesmo aqueles mais mal intencionados, como eu, por exemplo.

C H O C A N T E: ANTIGAMENTE, TUDO QUE VOCÊ PRECISAVA ERA DE UM ABRAÇO, HOJE, “Às vezes tudo o que se precisa é de um emoticon”… (TEXTO DA BULA-REVISTA)

sábado, 8 de junho de 2013