terça-feira, 21 de julho de 2009

O indefectível Sarney* * Artigo do jornalista Leandro Fortes.

Sarney, o homem incomum

Há anos, nem me lembro mais quantos, os principais colunistas e
repórteres de política do Brasil, sobretudo os de Brasília, reputam ao
senador José Sarney uma aura divinal de grande articulador político, uma
espécie de gênio da raça dotado do dom da ponderação, da mediação e do
diálogo. Na selva de preservação de fontes que é o Congresso Nacional,
estabeleceu-se entre os repórteres ali lotados que gente como Sarney –
ou como Antonio Carlos Magalhães, em tempos não tão idos – não precisa
ser olhada pelas raízes, mas apenas pelas folhagens. Esse expediente é,
no fim das contas, a razão desse descolamento absurdo do jornalismo
brasiliense da realidade política brasileira e, ato contínuo, da
desenvoltura criminosa com que deputados e senadores passeiam por certos
setores da mídia.

Olhassem Sarney como ele é, um coronel arcaico, chefe de um clã político
que há quatro décadas domina a ferro e fogo o Maranhão, estado mais
miserável da nação, os jornalistas brasileiros poderiam inaugurar um
novo tipo de cobertura política no Brasil. Começariam por ignorar as
mentiras do senador (maranhense, mas eleito pelo Amapá), o que reduziria
a exposição de Sarney em mais de 90% no noticiário nacional. No
Maranhão, a família Sarney montou um feudo de cores patéticas por onde
desfilam parentes e aliados assentados em cargos públicos, cada qual com
uma cópia da chave do tesouro estadual, ao qual recorrem com constância
e avidez. O aparato de segurança é utilizado para perseguir a população
pobre e, não raras vezes, para trucidar opositores. A influência
política de Sarney foi forte o bastante para garantir a derrubada do
governador Jackson Lago, no início do ano, para que a filha, Roseana,
fosse reentronizada no cargo que, por direito, imaginam os Sarney, cabem a eles, os donatários do lugar.

José Sarney é uma vergonha para o Brasil desde sempre. Desde antes da
Nova República, quando era um político subordinado à ditadura militar e
um representante mais do que típico da elite brasileira eleita pelos
generais para arruinar o projeto de nação – rico e popular – que se
anunciava nos anos 1960. Conservador, patrimonialista e cheio dessa
falsa erudição tão típica aos escritores de quinta, José Sarney foi o
último pesadelo coletivo a nós impingido pela ditadura, a mesma que ele,
Sarney, vergonhosamente abandonou e renegou quando dela não podia mais
se locupletar. Talvez essa peculiaridade, a de adesista profissional,
seja o que de mais temerário e repulsivo o senador José Sarney carregue
na trouxa política que carrega Brasil afora, desde que um mau destino o
colocou na Presidência da República, em março de 1985, após a morte de
Tancredo Neves.

Ainda assim, ao longo desses tantos anos, repórteres e colunistas
brasileiros insistiram na imagem brasiliense do Sarney cordial, erudito
e mestre em articulação política. É preciso percorrer o interior do
Maranhão, como já fiz em algumas oportunidades, para estabelecer a
dimensão exata dessa visão perversa e inaceitável do jornalismo político
nacional, alegremente autorizado por uma cobertura movida pelos
interesses de uns e pelo puxa-saquismo de outros. Ao olhar para Sarney,
os repórteres do Congresso Nacional deveriam visualizar as casas imundas
de taipa e palha do sertão maranhense, as pústulas dos olhos das
crianças subnutridas daquele estado, várias gerações marcadas pela
verminose crônica e pela subnutrição idem. Aí, saberiam o que perguntar
ao senador, ao invés de elogiar-lhe e, desgraçadamente, conceder-lhe
salvo conduto para, apesar de ser o desastre que sempre foi, voltar à
presidência do Senado Federal.

Tem razão o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao afirmar, embora pela
lógica do absurdo, que José Sarney não pode ser julgado como um homem
comum. É verdade. O homem comum, esse que acorda cedo para trabalhar,
que parte da perspectiva diária da labuta incerta pelo alimento e pelo
sucesso, esse homem, que perde horas no transporte coletivo e nas muitas
filas da vida para, no fim do mês, decidir-se pelo descanso ou pelas
contas, esse homem comum é, basicamente, honesto e solidário. Sarney é o
homem incomum. No futuro, Lula não será julgado pela História somente
por essa declaração infeliz e injusta, mas por ter se submetido tão
confortavelmente às chantagens políticas de José Sarney, a ponto de
achá-lo intocável e especial. Em nome da governabilidade, esse conceito
em forma de gosma fisiológica e imoral da qual se alimenta a escória da
política brasileira, Lula, como seus antecessores, achou a justificativa
prática para se aliar a gente como os Sarney, os Magalhães e os Jucá.

Pelo apoio de José Sarney, o presidente entregou à própria sorte as mais
de seis milhões de almas do Maranhão, às quais, desde que assumiu a
Presidência, em janeiro de 2003, só foi visitar esse ano, quando das
enchentes de outono, mesmo assim, depois que Jackson Lago foi apeado do
poder. Teria feito melhor e engrandecido a própria biografia se tivesse
descido em São Luís para visitar o juiz Jorge Moreno. Ex-titular da
comarca de Santa Quitéria, no sertão maranhense, Moreno ficou conhecido
mundialmente por ter conseguido erradicar daquele município e de regiões
próximas o sub-registro civil crônico, uma das máculas das seguidas
administrações da família Sarney no estado. Ao conceder certidão de
nascimento e carteira de identidade para 100% daquela população, o juiz
contaminou de cidadania uma massa de gente tratada, até então, como gado
sarneyzista. Por conta disso, Jorge Moreno foi homenageado pelas Nações
Unidas e, no Brasil, viu o nome de Santa Quitéria virar nome de categoria do Prêmio Direitos
Humanos, concedido anualmente pela Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República a, justamente, aqueles que lutam
contra o sub-registro civil no País.

Em seguida, Jorge Moreno denunciou o uso eleitoral das verbas federais
do Programa Luz Para Todos pelos aliados de Sarney, sob o comando,
então, do ministro das Minas e Energia Silas Rondeau – este um empregado
da família colocado como ministro-títere dentro do governo Lula, mas de
lá defenestrado sob a acusação, da Polícia Federal, de comandar uma
quadrilha especializada em fraudar licitações públicas. Foi o bastante
para o magistrado nunca mais poder respirar no Maranhão. Em 2006, o
Tribunal de Justiça do Maranhão, infestado de aliados e parentes dos
Sarney, afastou Moreno das funções de juiz de Santa Quitéria, sob a
acusação de que ele, ao denunciar as falcatruas do clã, estava
desenvolvendo uma ação político-partidá ria. Em abril passado, ele foi
aposentado, compulsoriamente, aos 42 anos de idade. Uma dos algozes do
juiz, a corregedora (?) do TRE maranhense, é a desembargadora Nelma
Sarney, casada com Ronaldo Sarney, irmão de José Sarney.

Há poucos dias, vi a cara do senador José Sarney na tribuna do Senado.
Trêmulo, pálido e murcho, tentava desmentir o indesmentível. Pego com a
boca na botija, o tribuno brilhante, erudito e ponderado, a raposa velha
indispensável aos planos de governabilidade do Brasil virou, de um dia
para a noite, o mascate dos atos secretos do Senado. Ao terminar de
falar, havia se reduzido a uma massa subnutrida de dignidade, famélica,
anêmica pela falta da proteína da verdade. Era um personagem bizarro
enfiado, a socos de pilão, em um jaquetão coberto de goma.

Na mesma hora, pensei no povo do Maranhão.

O exagero do desespero!!!!!!!!!!!!

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Homem lunar

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Tigre branco

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Natal antecipado

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Árvores

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