segunda-feira, 23 de maio de 2011

“Além–Tédio” de Mário de Sá Carneiro

Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.


Como eu quisera, emfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.


Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.


Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A propria maravilha tinha côr!


Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tedio.


E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...

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