sábado, 20 de dezembro de 2008

Interessante entrevista com a escritora Mírian Goldenberg sobre a mulher de 50 anos e seus problemas.

A mulher de 50 anos

(Luciano Trigo)

No livro Coroas, a antropóloga Mirian Goldenberg analisa o insustentável peso da idade entre as mulheres brasileiras

mirian-2.jpgcapa-coroas.jpgEstudiosa dos gêneros e do corpo em nossa cultura, a antropóloga e professora da UFRJ Mirian Goldenberg saiu a campo para investigar como a mulher brasileira de 50 anos está se enxergando. Autora de outros ensaios sobre a condição feminina na sociedade contemporânea, como A outra, Infiel e O corpo como capital, Mirian apresenta os resultados de sua pesquisa em Coroas – Corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade (Record, 224 pgs. R$28). Ela mostra, basicamente, que a situação anda difícil para as mulheres maduras: numa cultura que condiciona os afetos a aparências e  valores de mercado, e onde a juventude e a beleza são fatores determinantes da realização pessoal, elas se sentem cada vez mais excluídas e pressionadas. Entre outras conclusões preocupantes, Mirian afirma que, mesmo após todas as conquistas femininas, as mulheres casadas são mais felizes; que, quando traem, elas se colocam na posição de vítimas; e que, para muitas, a idade pode representar uma libertação dos papéis de esposa e mãe. São resquícios de valores do passado ainda entranhados no imaginário feminino – mesmo numa geração que cresceu cultuando a independência e a liberdade. Como consolo, vale lembrar que já foi pior. Na época de Balzac, a crise chegava mais cedo, aos 30.

G1: O conceito de “coroa” vem mudando com o tempo? Como se define uma coroa hoje? Idade é o único critério?

MIRIAN GOLDENBERG: Vem mudando, sim. Mas a idade ainda pesa. As mulheres começam a se sentir envelhecendo aos 40. Entram em crise, começam a fazer loucuras: plásticas, lipos, botox etc. Os homens começam a envelhecer mais tarde. Eles falam dos 60, da aposentadoria, como um grande marco do envelhecimento. Também acrescentam dois outros marcos: calvície e problemas sexuais. Então, ser coroa não é apenas uma questão de idade. É uma aceitação de posições simbolicamente desvalorizadas na sociedade: a aceitação da velhice como um momento só de perdas e pesos.

G1: O amadurecimento/envelhecimento tem implicações diferentes nos homens e mulheres? Em que sentido? A “vida útil”, em termos amorosos/sexuais, é diferente para os dois? Uma mulher com mais de 40 se sente “fora do mercado”?

MIRIAN: Simbolicamente, no Brasil, as mulheres envelhecem muito mais cedo do que os homens. Quanto mais velhas, menos chances no mercado afetivo-sexual. Por sua vez, quanto mais velho, mais o homem pode escolher no mesmo mercado. Como mostro no livro Coroas, numa cultura em que ter um marido é um verdadeiro capital - o que chamo de “capital marital” – envelhecer, para a mulher, é um momento de perdas. Elas se queixam de dois problemas: falta  de homem e decadência do corpo. Já os homens se preocupam muito menos com a aparência e mais com a perda de poder e de prestígio social. Eu encontrei três tipos de discursos femininos, que classifiquei como de falta, invisibilidade e aposentadoria do mercado afetivo-sexual. Eles podem ser vistos como uma postura de vitimização das mulheres nesta faixa etária, que apontam, predominantemente, as perdas, os medos e as dificuldades associadas ao envelhecimento. Nesse sentido, numa cultura em que o corpo é outro importante capital, talvez o mais importante de todos, o processo de envelhecimento pode ser vivido como um momento de importantes perdas, especialmente de capital físico. Há muitas mulheres que estão começando a se mutilar aos 40 ou 50 anos para atender a uma cultura que impõe isso. A cobrança aqui é diferente da que acontece na Alemanha, por exemplo. Lá, a questão é por que fazer isso com o próprio corpo. Aqui, há uma obrigação de fazer. As escolhas das mulheres brasileiras são muito mais limitadas do que as escolhas de uma mulher alemã. Ninguém diz que uma alemã é uma fracassada porque ela não se casou ou não teve filhos. É  isso que eu chamo de miséria subjetiva: aceitar a invisibilidade que é imposta à mulher que envelhece.

G1: Qual é o impacto das pressões pela realização sexual, profissional, familiar sobre as mulheres maduras?

MIRIAN: Aqui no Brasil as pressões são enormes, porque a nossa cultura cultua um determinado comportamento que combina três elementos extremamente valorizados: juventude, sexualidade e boa forma. É óbvio que, ao envelhecer, a mulher perde esses capitais tão importantes em nossa cultura. Já na cultura alemã, onde também estou pesquisando como as mulheres estão envelhecendo, os capitais mais valorizados são outros: personalidade, cultura, charme, inteligência, poder, confiança. Com a idade, as mulheres acumulam capital, em vez de perdê-lo. Por isso, envelhecer parece ser um momento de extrema satisfação para as alemãs. Aqui é um momento de extremo sofrimento para muitas mulheres, que investem no corpo e na sexualidade. As brasileiras que pesquisei trabalham ou são aposentadas. Todas são ou foram casadas, todas têm filhos, todas já cumpriram (ou ainda cumprem) o papel de esposa e mãe. Os 50 anos, para algumas mulheres, representam um momento de libertação do papel de esposa e mãe, para “ser eu mesma pela primeira vez”, uma frase recorrente no discurso delas. Enquanto emancipação foi a idéia enfatizada pelas alemãs (nenhuma me disse “sou uma mulher livre”; elas dizem: “Sou uma mulher emancipada”), liberdade foi a idéia que as brasileiras enfatizaram. Há ainda outra diferença: a emancipação das alemãs parece ser uma conquista de toda a vida, desde jovens. A liberdade das brasileiras parece ser uma conquista tardia, após elas cumprirem os papéis obrigatórios de esposa e mãe. Mesmo as que são casadas, sentem-se mais livres após os 50 para “serem elas mesmas”. Algumas redescobrem prazeres e vocações deixados de lado em função do casamento e da maternidade, retomados após os filhos estarem mais velhos.

G1: Segundo um ditado popular, só existem dois tipos de pessoas felizes: mulheres casadas e homens solteiros. As mulheres casadas são mesmo mais felizes que as solteiras? Por quê?

MIRIAN: Na minha pesquisa, aqui no Brasil, parece que sim. As casadas são aquelas que disseram ser as mais felizes. Daí eu ter criado a idéia de “capital marital”. Elas se sentem duplamente poderosas, pois, além de terem um marido, acreditam que são mais fortes, independentes e interessantes do que ele - mesmo quando ele ganha muito mais e é mais bem sucedido profissionalmente do que elas. Num mercado em que os homens são escassos, principalmente na faixa etária pesquisada, as casadas se sentem poderosas por terem um produto raro e extremamente valorizado pelas mulheres brasileiras - e, também, por se sentirem superiores e imprescindíveis para os seus maridos. É possível constatar que, além de o corpo ser um capital importantíssimo no Brasil, o marido também é um capital, talvez até mais fundamental do que o corpo, nessa faixa etária. O que as brasileiras mais valorizaram, em seus depoimentos, é o fato de terem um casamento sólido e satisfatório, de muitos anos. A existência desse tipo de casamento foi apontada como o principal motivo de felicidade. Já a sua ausência foi motivo de infindáveis queixas e lamúrias. Num dos grupos realizados, uma mulher magra, bonita e com a aparência muito jovem disse que sentia inveja de outra pesquisada, por ela ter um casamento estável e feliz. O interessante é que a invejada era gorda e com uma aparência muito mais velha do que a invejosa. A magra disse: “Eu tive e tenho muitos namorados, mas não consigo ter um companheiro, um marido. Senti inveja quando você falou do seu casamento de 30 anos, porque eu nunca consegui ter isso. E nunca mais vou conseguir ter”.

G1: A infidelidade feminina está aumentando? E a masculina? Por quê? Isso é bom ou ruim?

MIRIAN: Um dado interessante da minha pesquisa é o diferente posicionamento de homens e mulheres no que diz respeito à traição. Os homens se justificam por terem uma “natureza”, uma “essência” propensa à infidelidade. Já as mulheres responsabilizam seus maridos ou namorados por elas serem infiéis. Homens dizem trair por “atração física”, “vontade”, “tesão”, “oportunidade”, “aconteceu”, “galinhagem”, “é um hobby”, “testicocefalia”, “é da natureza masculina”, “instinto”. Já nas respostas femininas encontrei “insatisfação com o parceiro”, “falta de amor”, “para levantar a auto-estima”, “vingança”, além de um número significativo de mulheres que traem porque não se sentem mais desejadas pelos parceiros. Apesar de muitos comportamentos masculinos e femininos não estarem mais tão distantes, inclusive no que diz respeito à traição - como mostram os dados da minha pesquisa, em que 60% dos homens e 47% das mulheres afirmam já terem sido infiéis – os discursos femininos e masculinos são extremamente diferentes. Pode-se notar, ao analisar esses dados, que os homens justificam suas traições por meio de uma suposta essência ou instinto masculino. Já as mulheres infiéis dizem que seus parceiros, com suas faltas e galinhagens, são os verdadeiros responsáveis por suas relações extraconjugais. Ou seja, no discurso dos pesquisados, a culpa da traição é sempre do homem: seja por sua natureza incontrolável, seja por seus inúmeros defeitos (e faltas) no que diz respeito ao relacionamento. Se é inquestionável que, nas últimas décadas, houve uma revolução nas relações conjugais, na questão da infidelidade ainda parece existir um “privilégio” masculino, isto é, ele é o único que se percebe como sujeito da traição. Enquanto a mulher, mesmo quando trai, continua se percebendo como uma vítima, que no máximo reage à dominação masculina. Os comportamentos sexuais podem ter mudado, tendendo a uma maior igualdade, mas o discurso sobre o sexo ainda resiste às mudanças. Os discursos estabelecem e reafirmam as diferenças de gênero, até mesmo quando o comportamento parece recusar essas diferenças. Não estou afirmando que não existem diferenças no comportamento sexual feminino e masculino, mas, como sugerem os dados da minha pesquisa, elas não são tão grandes assim. O que quero propor é que a linguagem da diferença não só reforça as diferenças existentes, como parece ampliar significativamente o sentido de diferenças que não são tão grandes como parecem.

G1: Apesar de todos os avanços nas conquistas femininas, a cada geração fica mais explícito o uso da sedução e do corpo feminino como moeda, e muitas mulheres viram a seu favor a condição de objetos e mercadorias. Como você analisa isso?

MIRIAN: Os valores mudaram muito nas últimas décadas, mas, com certeza, ainda não tanto a ponto de a brasileira deixar de investir no corpo e na sexualidade como verdadeiros capitais em diferentes mercados - afetivo, profissional, sexual etc. Ainda é enorme essa dependência do homem que as brasileiras têm. Sem dúvida, a mudança de valores pode ajudar a conquistar uma velhice melhor. Primeiro, a mulher vai investir em outros capitais que vão transformar a velhice, como capital cultural, capital científico, ou em outros relacionamentos que não sejam só com o homem. Tudo isso pode alimentar um projeto de uma velhice melhor. Quando a mulher investe só em corpo e em sexualidade, todos os projetos passam pelo homem e pelas cirurgias plásticas. Aqui não encontro mulheres que não tenham feito cirurgias plásticas, que é o principal investimento no corpo. As alemãs investem em viagens, em leituras, investem até nos momentos de solidão, em casas gostosas de viver, ou seja, elas têm muitos outros prazeres. E foram acostumadas a contar com elas mesmas. Aqui as mulheres de 50 anos me dizem que agora pela primeira vez são mais livres. As alemãs me dizem: mas elas precisam esperar até os 50 para serem livres?

Livros

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Kafka e a boneca viajante, de Jordi Sierra. Martins, 128 pgs. R$26,30

Um ano antes de sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência singular. Passeando pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando porque tinha perdido sua boneca. Para acalmar a garotinha, inventou uma história: a boneca não estava perdida, mas viajara, e ele, um “carteiro de bonecas”, tinha uma carta em seu poder, que lhe entregaria no dia seguinte. Naquela noite, ele escreveu a primeira de muitas cartas que, durante três semanas, entregou pontualmente à menina, narrando as peripécias da boneca em todos os cantos do mundo. Inspirado por esta história pouco conhecida de Kafka, contada por Dora Diamant, companheira do escritor na época, Jordi Sierra i Fabra recria as cartas nunca encontradas e que constituem um dos mistérios mais belos da narrativa do século XX.

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Angela e o menino Jesus, de Frank McCourt. Intrínseca, 40 pgs. R$19,90

Uma fábula natalina que traz uma lição de ternura. Ângela é uma garotinha de 6 anos que fica com pena do Menino Jesus ao vê-lo no altar da igreja de São José, na cidade de Limerick, na Irlanda, onde mora. As noites de dezembro são úmidas e frias, e a igreja é escura. A mãe do Menino Jesus não tem nem um cobertor para cobri-lo. O bebê precisa da ajuda de Ângela, mesmo que ela não tenha autorização para chegar perto do altar, muito menos sozinha. Repleto do espírito e das aventuras do romance As cinzas de Ângela, em que o autor narrou suas memórias de menino, Ângela e o Menino Jesus é uma história de família com uma mensagem universal.

 

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Animais sem zoológico, de Gianni Rodari. Martins Fontes, 31 pgs. R$29,80

Um gato malabarista quis puxar o tapete de seus colegas elefantes e se deu mal; as tartarugas organizaram uma corrida de bicicleta mas, decididamente, correr não era seu forte; um cavalo que sabia escrever acabou dando com a língua nos dentes… Estes e outros personagens mostram que às vezes bicho até parece gente… Gianni Rodari é conhecido por suas fábulas saborosas e cheias de ironia. Sem nenhuma mensagem de tom moralista, ele faz uma crítica inteligente das frivolidades, da lei da vantagem, da exploração do trabalho e de outras práticas e valores característicos da sociedade atual. O livro tem ilustrações de Anna Laura Cantone, artista italiana contemporânea.