terça-feira, 22 de novembro de 2011

Linda poesia do escritor português Jorge de Sena

 

Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya

Fuzilamentos, de Goya

Fuzilamentos, de Goya

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse “com suma piedade e sem efusão de sangue.”
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sêmen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais do que uma vida ou a alegria de te-la.
É isto o que mais importa – essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez
alguém está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga –
não hão de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juizo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam “amanhã”.
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é só nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram
.

Cartilha ensina crianças a reciclar e preservar o meio ambiente

 

Carlos Américo/Ascom/MMA

Você sabe o que fazer com a lata de refrigerante vazia? Junto com uma caixa de suco, cartolina e cola é possível montar um trator para a criançada. Esta e outras dicas sobre reciclagem estão publicadas na cartilha Nós, as Embalagens e o Meio Ambiente, lançada pelo Instituto de Embalagens em parceria com o Ministério do Meio Ambiente.

Foram impressas 30 mil cartilhas. Elas serão distribuídas para escolas públicas e particulares do Brasil, para os professores trabalharem os temas da reciclagem e do consumo consciente com crianças de oito a 10 anos. O material também será vendido em lojas e no site do instituto. Salas Verdes também vão receber a publicação.

Com linguagem simples e didática, a cartilha mostrar às crianças a importância da reciclagem e do consumo consciente. Sofia e Pedro são os dois personagens que levam o leitor a uma viagem para descobrir como são feitas as embalagens, sua importância e sua relação com o meio ambiente. As crianças aprendem, também, como as embalagens podem ser reaproveitadas e recicladas.

A expectativa é que o livreto alcance 300 mil crianças. Ele foi impresso em material reciclável e reciclado, impermeável e de alta resistência. Assim, cada criança que tiver acesso à cartilha poderá repassá-la a outra pessoa.

Caderno de atividades - Junto com a cartilha vem um caderno de atividades. Nele, a criança brinca de caça-palavras, labirinto, ligue os pontos e de colorir, sempre com atividades relacionadas ao consumo consciente e à reciclagem. O caderno de atividades dá instruções para montar uma casinha, fazer um jogo de damas, um vaso de plantas e até um kit de escritório com materiais reciclados.

O projeto foi conduzido pelo Instituto de Embalagens, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e os colégios Pentágono, de São Paulo, e Ônis, de Santos, que deram apoio pedagógico e contribuíram para adequar a linguagem e as atividades à faixa etária de 8 a 10 anos.

Quatro frases que fazem o NARIZ DO PINÓQUIO crescer: Somos todos culpados pela ruína do planeta / É verde aquilo que se pinta verde / Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra / A natureza está fora de nós (Fantástico artigo de Eduardo Galeano)

Quatro frases que fazem o nariz do Pinóquio crescer


1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.


A saúde do mundo está feito um caco. "Somos todos responsáveis", clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.
Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao "sacrifício de todos" nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras - inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio - não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.
Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, "faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades". Uma experiência impossível.
Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.

 
2- É verde aquilo que se pinta de verde.


Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. "Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas", esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.
Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: "os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro."
O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.
O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete.
A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.

 
3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.


Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas... As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.
No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.
A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil.
Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.


4- A natureza está fora de nós.


Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: "Honrarás a natureza, da qual tu és parte." Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo.
Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão.
Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala de submeter a natureza. Agora, até os seus verdugos dizem que é necessário protegê-la. Mas, num ou noutro caso, natureza submetida e natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização, que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.

Acabei de ler um artigo de Eric Nepomuceno sobre o livro “K”. Também sinto falta de livros sobre os fatos do Período de Chumbo da História do Brasil.

“K” e a dor sem remédio de uma ausência sem fim

‘K’, o romance-testemunho de Bernardo Kucinski, é uma narrativa de vertigem, escrita de forma pungente e avassaladora. Mais que um grito de dor e revolta, mais que um uivo inconformado, é um lento, sossegado, estonteante lamento. O livro fala de uma falta, fala da carência dessa vida ceifada, seqüestrada, sumida. E é essa falta que se estende ao leitor, ao passado, à memória. Um lamento perene, porque não há nem haverá final para esse vazio. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Eric Nepomuceno

A produção literária brasileira – tanto a de ficção como a testemunhal – sobre os anos de breu da ditadura militar é, na verdade, escassa. Se comparada à produção de países vizinhos, como a Argentina, o Chile e o Uruguai, torna-se mais escassa ainda, principalmente se for levado em conta que, apesar da barbárie ter sido maior, nesses três países os regimes militares tiveram duração menor. É como se os escritores brasileiros não encontrem matéria prima nesse passado tão recente e escuro.
Há livros – poucos – que aliam alta qualidade do texto à profunda e comovedora honestidade do relato. Penso, especialmente, em ‘Memórias do Esquecimento’, de Flávio Tavares, ou ‘Uma tempestade como a sua memória’ (ambos publicados pela editora Record), em que Martha Vianna traça um delicado e certeiro perfil biográfico de Maria do Carmo Britto, a primeira mulher a ocupar um posto de mando numa organização da resistência armada (a mesma, aliás, à qual pertenceu Dilma Rousseff).
Há outros em que a indiscutível qualidade do texto mascara o pouco respeito pelo que efetivamente ocorreu, e o afã de protagonismo de seus autores, que se arvoram de façanhas que jamais realizaram, distorce e enfraquece o relato. Há também aqueles nos quais a fidelidade aos fatos não é correspondida pela qualidade do texto, e que por isso mesmo se tornaram desinteressantes. Enfim, há de tudo – mas em poucos livros.
É nesse cenário que surge ‘K’, o romance-testemunho de Bernardo Kucinski, lançado pela Expressão Popular. E se logo de saída a própria estrutura proposta para a narrativa surpreende e impacta, é aos poucos, conforme desfia o longo e dolorido rosário da memória, que ‘K’ alça vôo e ganha força e espaço.
Na abertura, Kucinski esclarece que ‘tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu’. A partir daí, o autor dá voz à memória, e conta o que conta seguindo os passos erráticos das lembranças, que nunca surgem – como, aliás, na vida real – em ordem rigorosamente cronológica, e muito menos com precisão absoluta.
A narrativa lança mão de vários recursos literários, a começar por concentrar num personagem determinado – o ‘K’ do título – vários outros, inclusive o próprio autor. A busca desesperada primeiro, furiosa depois, serena mais tarde, porém perene, absolutamente perene, de um pai pela filha seqüestrada e desaparecida pelo terrorismo de Estado que imperou no Brasil durante muito mais tempo, e de maneira muito mais profunda do que se acredita (e se quer fazer acreditar) nos conduz, nos torna acompanhantes e testemunhos dos andares e desandares de ‘K’. E é essa angustiada – e inútil – saga que surge dos lampejos de memória que aparecem desordenados, na tentativa de conseguir enfim entender o que aconteceu, como aconteceu, quando aconteceu. E, ao mesmo tempo, abre portas e brechas para que saltem à luz personagens daquele tempo, deste nosso tempo, com seu inventário de dores e amputações, com suas cicatrizes na alma.
Ana Rosa Kucinski e seu marido, Wilson Silva, militantes da ALN, foram seqüestrados e desaparecidos numa noite de abril de 1974. Sumiram no ar sem deixar rastros. Ao narrar como o pai de Ana Rosa começa a buscar a filha, Bernardo Kucinski constrói um antes e um depois dessa história trágica. O antes é o antes, é a presença de sua irmã Ana Rosa. E o depois? Bem, o depois é a perversa, a dramática comprovação de que é justamente a presença dessa ausência que se tornou e se tornará permanente, irremediavelmente permanente. Ana Rosa jamais apareceu. A ausência de Ana Rosa jamais deixa de estar presente.
‘K’ é uma narrativa de vertigem, escrita de forma pungente e avassaladora. Mais que um grito de dor e revolta, mais que um uivo inconformado, é um lento, sossegado, estonteante lamento. O livro fala de uma falta, fala da carência dessa vida ceifada, seqüestrada, sumida. E é essa falta que se estende ao leitor, ao passado, à memória. Um lamento perene, porque não há nem haverá final para esse vazio.

Frase forte de Ghandi…

A violência só derrotará a violência, quando alguém me demonstrar que alguma escuridão possa ser iluminada por mais escuridão.

(Ghandi)