quarta-feira, 22 de julho de 2009

Retirado do blog “O livro no espaço triste” (livrotriste.blogspot.com")

 

11º Destroço (ou ver-te e saber que te perdi)

Não sei quanto tempo passou

(sempre fizeste contas muito melhor que eu)

mas parece-me que foi muito. Antes que te pudesse ver outra vez ali naquela luz de Lisboa

(um cliché perfeito, como quase todos o são).

Antes que pudesse perceber que te perdi para sempre, da mesma maneira que fui perdendo pessoas e objectos, mesmo procurando guardá-los em caixas, dentro dos livros, em cantos da memória

(nunca me apeteceu perder nada).

Antes que pudesse perceber porque é que a luz de Lisboa, na tua pele, te tornou

(para sempre)

a única pessoa que

(agora)

eu poderia ter amado com a exacta urgência de quando era adolescente.

Não sei quanto tempo passou

(não é uma coisa importante)

antes que te pudesse ver a esta luz. Uma luz feita de água e girassóis. Irrepetível como todos os gestos perfeitos que fizemos

(antes)

e que se foram esvaziando como um balão esquecido, depois das mãos das crianças.

Tantas vezes quis tocar-te

(nesta tarde)

como antes te tocava as sobrancelhas ou o sítio onde o cabelo começa a rarear-te ou os dedos com que

(me tocavas)

pegas em tudo

(a chávena do café, o cigarro, os papéis),

menos nas minhas mãos abandonadas à sua branca solidão.

E não te toco porque não sei quanto tempo passou e como lhe fizeste as contas. Não aproximo a minha boca da tua, a esta luz de Lisboa, porque não sei contar as pequenas rugas que os teus lábios formam e fico à espera que não regresses ao tempo

(muito, parece-me)

que passaste sem que eu te visse. A desejar que não te levantes da cadeira e te afastes direito ao sol do fim do dia

(longe)

ao encontro de uma vida que eu já não vivo, de um amor que já não será o meu.

Não sei quanto tempo passou

(mas parece-me que foi muito)

antes que pudesse ver-te a esta luz e saber

(com uma assustadora exactidão)

porque escorre de mim ainda este amor

(para sempre)

perdido.

posted by Elisa