terça-feira, 20 de outubro de 2009

Releituras de Jane Austen

Quem acompanha os filmes atuais e conhece “um pouquinho” de literatura inglesa, percebe que os romances de Jane Austen estão cada vez mais na moda: as releituras se sucedem, formando um painel moderno e heterogêneo, em que ficção científica e mesmo filmes com pitadas de terror abordam o doce universo “Austiano”.

Quem acompanha a saga Twilight percebe em que fonte Stephenie Meyer foi buscar inspiração para compor seu personagem “Edward Cullen”, e reconhece claramente traços de Mr. Darcy no encantador vampiro vegetariano.

Talvez seja esta a razão que me faça estar tão ansiosa para ler o livro Midnight Sun, a última promessa de Stephenie no universo vampiro de Crepúsculo (Twilight), pois a autora segue reescrevendo a história, agora sob a visão de Edward/Mr. Darcy/ Cullen, e confesso que acho encantador ouvir este outro lado da adaptação.

Outra obra de Jane Austen que foi parar nas telas, devidamente adaptada, foi “Persuasão”, agora com o nome “A casa do Lago”, filme estrelado por Sandra Bullock e Keanu Reaves, que aborda a hora certa para o amor.

O filme “A casa do Lago” conta a história de uma médica (Sandra Bullock) que se apaixona por um rapaz, este interpretado por Keanu Reaves, mas o tempo (no caso deste filme, um tempo real, pois dois anos os separam e impedem o seu amor) é o impecilho que ambos terão que superar para poderem ficar juntos, tudo a ver com a história de Anne e do Capitão Wentworth.

E apesar de todo este sucesso inegável, a obra de Jane Austen não é facilmente encontrada, nem seus livros nem seus filmes. Há dias ando percorrendo as livrarias de Brasília em busca de livros ou DVDs da autora, e acreditem, tenho encontrado enorme dificuldade em os adquirir.

Aproveito para solicitar que quem souber aonde os encontrar, me avise, considerarei uma delicadeza própria de personagens “Austianos”…

Orgulho e Preconceito - Hollywood sem beijo** Por Genilda Azerêdo*

Sempre que uma nova adaptação de Jane Austen aparece – e esta é a oitava de 1995 para cá – somos induzidos a (mais uma vez) questionar o que há em seus romances, publicados entre 1811 e 1817, que ainda pode atrair a atenção do espectador do século XXI. No caso desta mais recente adaptação, Orgulho e Preconceito, baseada no romance homônimo, a expectativa talvez ainda tenha sido maior, uma vez que se trata do romance mais lido e amado da autora.A própria Jane Austen referiu-se a Elizabeth Bennet, a protagonista do romance, como “uma criatura adorável, como jamais aparecera na literatura (...)”. E confessou: “Não sei como serei capaz de tolerar aqueles que não gostem dela”. De fato, Elizabeth é a mais famosa das protagonistas de Austen, uma personagem que combina inteligência e senso de humor, sensibilidade, vivacidade e rebeldia. Como se sabe, todas as narrativas de Austen constituem pretextos para que suas protagonistas amadureçam emocionalmente, passem de um estado de ignorância a um estado de consciência e conhecimento. No caso de Orgulho e Preconceito, no entanto, tem-se, de início, a impressão (o que não se concretiza), que Lizzy já é madura o suficiente, tornando tal processo esvaziado de função. De modo geral, é o personagem masculino central aquele que contribui para este crescimento emocional e afetivo da heroína. Porém, neste romance, é interessante ver como o processo de conscientização e amadurecimento se dá de forma dupla: ambos Lizzy e Darcy não só vivenciam um processo de aprendizagem, mas gradualmente ensinam um ao outro. Talvez este aspecto seja responsável por fazer deste o mais famoso par amoroso de Austen. E não fosse por outros aspectos do romance, que faz um registro dos costumes e valores da sociedade pré-vitoriana, e uma crítica social contundente à dependência que aquela mulher tinha do casamento, como único meio de sobrevivência (material e emocional), bem como aos efeitos decorrentes dos conflitos entre classes sociais, da hipocrisia e da aparência, só a história de Lizzy e Darcy já justificaria uma adaptação.O título do romance já se oferece como primeira possibilidade de compreensão da narrativa: se Darcy é imediatamente considerado por todos como orgulhoso e arrogante, Lizzy (embora se considere lúcida) não se contém em seus pré-julgamentos em relação a ele. Mas a associação não se dá deste modo único: Lizzy também tem seu orgulho abalado (lembremo-nos de uma fala sua, quando diz, “eu poderia até perdoar sua vaidade, se ele não tivesse ferido a minha”); por outro lado, o pré-conceito inicial que Darcy tem em relação à família de Lizzy vai aos poucos se materializando, de modo que o “orgulho” e o “preconceito” do título não ocupam posições estáveis, mas ambíguas. Na verdade, estabilidade é uma palavra que não combina com Jane Austen. Embora suas narrativas sejam “limitadas” a um universo principalmente feminino e doméstico, e suas temáticas focalizem a importância do casamento como único meio de sobrevivência e estabilidade para a mulher, a questão é tratada de forma tensa, a ponto de fazer com que Lizzy recuse a proposta de casamento de Mr. Collins e a primeira proposta de Darcy, algo até certo ponto inconcebível, quando pensamos na realidade de penúria que a espera. Ou seja, ao mesmo tempo em que a narrativa revela a centralidade do casamento e a importância de uma vida familiar estável naquele tipo de sociedade, ela também mostra representações variadas de casamento, além de sugerir que algo maior – além da conveniência e sobrevivência material – deve fundamentar a escolha e a decisão, ao menos, dos pares centrais.Orgulho e Preconceito já foi adaptado anteriormente, inclusive mais de uma vez. Como filme, há uma versão de 1940. Como série da BBC/A&E, foi adaptado em 1979 e em 1995 (esta, embora série, foi filmada em película). Esta mais recente adaptação (2005; dir. Joe Wright, com roteiro de Deborah Moggach) traz uma diferença bastante significativa em relação às outras adaptações de Austen: uma ênfase maior na visualidade do meio rural (animais e trabalhadores rurais são mostrados), com o propósito de não apenas situar a história no countryside inglês pré-industrial, mas de indiciar esse meio como contexto comercial e econômico daquele grupo social.No início do filme, acompanhamos Elizabeth (que caminha com um livro na mão) pelos arredores da casa, e depois pelo seu interior. À medida que nos familiarizamos com sua casa e sua família, já nos damos conta da cumplicidade existente entre ela e Jane, de um lado, e entre ela e o pai, de outro. Esta cumplicidade é relevante para traçar limites entre duas formas de se relacionar com o mundo: uma altamente pragmática, que visa uma sobrevivência imediata (representada principalmente pela mãe e pelas filhas mais novas); outra mais racional e equilibrada, porque também fundamentada na sensibilidade.A cumplicidade entre essas duas irmãs mais velhas será dramatizada no decorrer do filme, como, por exemplo, numa cena no quarto, mais especificamente na cama, antes de dormirem, em que apenas seus rostos ficam à mostra, e elas conversam como confidentes e grandes companheiras. Essa amizade de irmãs, neste filme, se coaduna com o tratamento da questão não só em Razão e Sensibilidade (uma narrativa essencialmente de irmãs), mas também na adaptação de Mansfield Park (com o título, no Brasil, de Palácio das Ilusões).

Ao contrário de outras adaptações de Austen, em Orgulho e Preconceito as músicas e as danças são festivas e alegres, algo que se alinha com certa leveza da narrativa (em oposição, por exemplo, às narrativas de Razão e Sensibilidade, Persuasão ou Palácio das Ilusões). O ritmo da música (e, conseqüentemente, da dança), no entanto, muda quando Lizzy e Darcy dançam. O contraste com as danças anteriores fica explícito. O ritmo mais lento possibilita que conversem; a câmera se demora nos dois, já que precisam ser revelados (não só um ao outro, mas ao espectador). Por um momento, inclusive, cria-se a ilusão de que apenas os dois rodopiam no salão, o que mostra a função da dança como ritual erótico.De modo geral, ainda que em determinados momentos haja exagero (Mr. Collins, por exemplo, soa caricatural), o filme consegue refletir temáticas relevantes da narrativa de Austen; consegue, ainda, em determinadas cenas, uma tonalidade de humor e ironia característica da autora.

No entanto, na tentativa de atrair um público ávido por histórias de amor (e a narrativa romântica é mais facilmente adaptável – ou transferível para a tela – que a crítica social, principalmente quando consideramos o estilo altamente irônico de Austen), esta adaptação também acaba por se definir como “hollywoodiana”, principalmente no tratamento que dá à relação entre Lizzy e Darcy.Para ilustrar a ênfase na relação romântica, tomemos como exemplo as duas cenas em que Darcy se declara a Lizzy. Em Austen, é comum o narrador fazer uso de narração sumária, ou do discurso indireto, exatamente como estratégias para a criação de um distanciamento, para a quebra ou diluição da emoção, em momentos de grande densidade dramática. É o caso no que diz respeito ao desenvolvimento gradual da relação afetiva entre Lizzy e Darcy. Mas não só isso. No romance, na primeira vez em que Darcy declara seu amor a Lizzy, eles estão dentro de casa. No filme, como era de se esperar, há não só a dramatização do diálogo (“showing” em vez de “telling”) e o deslocamento espacial, na medida em que a cena acontece ao ar livre, mas também a utilização de um contexto de trovões e chuva forte, além de uma música que adensa a carga (melo)dramática da situação, o que acaba culminando num imenso clichê romântico.A segunda cena, quando os mal-entendidos entre eles já foram esclarecidos, e Darcy novamente renova seu sentimento por Lizzy, também chama a atenção em termos de construção visual. Aqui, como no romance, o encontro se dá ao ar livre. No entanto, diferentemente do romance, o encontro entre eles se dá de madrugada, algo impensável para aquele contexto pré-vitoriano, principalmente quando consideramos os personagens envolvidos (protagonistas, e, portanto, guiados por certas regras de conduta e racionalidade). É claro que, mais uma vez, a utilização desse espaço acentua a carga dramática (tornando-a romântica) da situação e cria um deslocamento em relação ao contexto de Austen.

A fotografia nesta cena – marcadamente escura, nebulosa, uma escuridão inclusive acentuada pelas vestimentas escuras de ambos – acaba por remeter a um contexto posterior, vitoriano, sendo bem mais adequada aos arroubos e romantismo das irmãs Brontës, por exemplo, que a contenção de Austen. Esses recortes servem para mostrar a escolha ideológica por trás da adaptação. Se, como diz Dudley Andrew, “adaptação é apropriação de significado de um texto anterior” (e um texto pode ter significados variados, ficando a critério do cineasta e roteirista dar maior visibilidade a um ou a outro), fica evidente que a escolha empreendida, neste caso, tentou conciliar a crítica social de Austen à história pessoal de Lizzy e Darcy; porém, ao romantizar (principalmente em termos visuais) a narrativa privada, o filme perdeu a chance de, por exemplo, aprofundar as relações inseparáveis entre o público e o privado em Austen. No entanto, talvez como certo consolo, o final do filme acaba por resgatar, mais uma vez, a tonalidade contida de Austen, através da ausência do beijo e da conclusão do filme sem a cena do(s) casamento(s). De modo que talvez a melhor definição para esta adaptação seja “Hollywood sem beijo”.

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* A prof. Dra. Genilda Azerêdo é professora do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal da Paraíba, onde atua nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Letras. É mestre em Literatura Anglo Americana (Dissertação sobre Virginia Wolf) e Doutroa em Literaturas de Língua Inglesa (com tese sobre as relações entre literatura e cinema, especificamente as adaptações de Obras de Jane Auten).

** Este artigo foi gentilmente cedido pela amiga Genilda Azerêdo, tendo sido publicado inicialmente em revista acadêmica e no blog Correio das Artes. Originalmente, o artigo não possui as imagens acima, sendo de minha responsabilidade adição das mesmas.