sábado, 15 de janeiro de 2011

Viagem nunca feita. (Fernando Pessoa – O Livro do Desassossego)

 

E assim escondo-me atrás da porta, para que a

Realidade, quando entra, me não veja. Escondo-me

debaixo da mesa, donde, subitamente, prego sustos à

Possibilidade. De modo que desligo de mim, como aos

dois braços de um amplexo, os dois grandes tédios que

me apertam — o tédio de poder viver só o Real, e o

tédio de poder conceber só o Possível.

Triunfo assim de toda a realidade. Castelos de areia, os

meus triunfos?… De que coisa essencialmente divina

são os castelos que não são de areia?

Como sabeis que, viajando assim, não me rejuvenesco

obscuramente?

Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e brinco

com as ideias das coisas como com soldados de

chumbo, com os quais eu, quando menino, fazia coisas

que embirravam com a ideia de soldado.

Ébrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me

viver.

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