quarta-feira, 13 de abril de 2011

“Homens e Deuses” - Concorrente da França ao Oscar, premiado em Cannes, encontra a hombridade que há nos votos de fé. (Texto de Marcelo Hessel)

Alegre

Apropriadamente, chama-se Christian o monge cisterciense francês que impede a entrada de armas no mosteiro instalado em Tibhirine, na Argélia. Transcorre em 1996 a guerra civil no país, e os insurgentes jihadistas assassinam operários croatas e intimidam a população árabe. É uma questão de tempo até que tomem o mosteiro, mas Christian, vivido em Homens e Deuses (Des Hommes et des Dieux, 2010) pelo ator Lambert Wilson, recusa a ajuda armada do governo argelino.

O filme do diretor Xavier Beauvois, vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes e escolhido da França para disputar um lugar no Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011, reconta o episódio real ocorrido no mosteiro trapista, cujo desfecho até hoje é motivo de controvérsias. Beauvois está interessado, de qualquer forma, menos no final do que no trajeto: mostrar o que envolve a decisão dos franceses de permanecer desarmados no país em conflito, posição que qualquer pessoa veria como opção pelo martírio.

O primeiro terço de filme se dedica a mostrar como os monges - compatriotas de uma nação que, na visão do presidente da Argélia, atrasou com seu imperialismo o desenvolvimento da ex-colônia - conciliam a liturgia católica com a atenção às necessidades da vila muçulmana que cresceu ao redor do mosteiro. A literatura árabe que sempre aparece nas mãos dos franceses é um símbolo óbvio, em um filme que inicialmente se ocupa em registrar sem pressa a rotina em Tibhirine: os estrangeiros distribuem calçados, alimentos e remédios, comparecem a festas de aniversário e batem palmas no ritmo da cantoria árabe.

Uma das cenas mais importantes desse começo de Homens e Deuses é o primeiro de muitos cânticos que escutamos entoados na capela. São sete os monges, todos eles de costas para a câmera. Representam, ali, a unidade da igreja - uma igreja que tem no mapa-mundi pregado na parede o seu post-it perpétuo. A partir do momento em que surge a ameaça terrorista - e os seis outros monges condenam a decisão que Christian toma sozinho - as individualidades começam a despontar. Há quem queira partir de volta para a França, outros querem ficar. Até o seu final, Homens e Deuses se ocupará de encontrar os sete homens por baixo das vestes dos monges.

E é em momentos assim que não apenas se identificam os homens de valor como também os religiosos de fé. Ao mesmo tempo em que, progressivamente, deixa a vila de lado, a câmera de Beauvois busca as trivialidades do mosteiro, humaniza os monges. Numa manhã, um diz que gostou muito de um sermão de Christian, outro responde que não entendeu nada, e leva de volta um xingamento.

Nesse ponto, os cânticos já acontecem com os rostos voltados para a câmera. O ápice é a ceia em que toca numa fita cassete "O Lago dos Cisnes" de Tchaikovsky, e Beauvois vai, um a um, fechando os close-ups nos homens, a essa altura já decididos em relação ao futuro do mosteiro. Num filme que fala sobre a leitura que tanto católicos quanto muçulmanos fazem de seus escritos sagrados, e a responsabilidade que essa leitura acarreta, Homens e Deuses parafraseia o salmo que, nos créditos iniciais, havia servido de epígrafe: "Vós sois deuses / Todavia morrereis como homens".

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