terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Gatos, ratos e homens - Postado por Luciano Trigo em 16 de Novembro de 2008 às 15:29

Firmin e Dewey combinam com êxito dois filões do mercado editorial: livros sobre livros e livros sobre bichos

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Uma tendência recente do mercado editorial são os romances que tematizam a própria paixão pela leitura e pela literatura - e assim cativam duplamente os leitores, que se reconhecem nos textos como sujeitos da mesma paixão. Basta pensar no sucesso de A menina que roubava livros, de Markus Zusak, ou nos recentemente lançados O segredo das coisas perdidas, de Sherida Hay, e As memórias do livro, de Geraldine Brooks. Outra tendência é a dos protagonistas animais – como o cachorro de Marley e eu, de John Grogan, e seus sucedâneos, como o cão-soldado de De Bagdá com muito amor. Firmin (Planeta, 248 pgs. R$37,50), de Sam Savage, junta os dois filões, fazendo de um rato um leitor inveterado - e protagonista de uma história saborosa. Vivendo aventuras alheias, ele se vê transportado para uma tarde chuvosa em Paris, num poema de Verlaine, ou para uma Londres dominada pela peste, no famoso diário de Daniel Defoe, em viagens da imaginação.

Firmin cresceu no porão de uma livraria de Boston, dos anos 60, e logo percebeu que valia mais a pena ler do que roer as páginas de Cervantes ou James Joyce – que passou a devorar de outra maneira. O estranho hábito o faz ser marginalizado pela família. Mas, apesar de ser visto por seus colegas roedores como “ridículo, mentiroso, charlatão e pervertido”, Firmin é na verdade uma alma pura, que busca na leitura dos clássicos – e também nos filmes antigos, aos quais assiste num cinema do bairro, principalmente os musicais de Fred Astaire – um consolo para a sua solidão. Seus heróis são o livreiro e um escritor fracassado que freqüenta a loja, ameaçada de demolição. Ele tenta desesperadamente se comunicar com os dois, empreendimento condenado ao fracasso.

clip_image003Firmin é o romance de estréia de Savage, que já trabalhou como mecânico, carpinteiro, gráfico e comerciante. Seu texto mantém um equilíbrio delicado e difícil entre o humor e a melancolia, entre o tom fabular e a digressão filosófica, que se reflete nas ilustrações de Fernando Krahn. Meio vagabundo, meio pensador, o solitário e sensível rato-narrador intercala, com o relato de seus pequenos dramas pessoais (ou “ratuais”), reflexões sobre a mortalidade e o sentido da vida – uma questão ainda mais urgente e aflitiva para os ratos, pois suas vidas costumam ser mais breves e mais atribuladas que as nossas.

Dewey, um gato entre livros, de Vicki Myron (Globo, 272 pgs. R$24,90), que está há várias semanas nas listas de mais vendidos, conta a história real de um gato que mudou a rotina de uma pacata cidade americana, ao freqüentar sua Biblioteca Pública. A autora é a bibliotecária Vicki Myron, a primeira a se deparar com o bichano. Ela mostra como Dewey levou alegria, amor e vida à população, outrora apática, de Spencer. Já deu para perceber que Dewey é bem menos profundo que Firmin, apelando mais diretamente aos leitores que amam animais, mais que os livros.

Por exemplo, Dewey, num determinado momento, olha cada pessoa nos olhos, ronronando com gratidão: “Era como se ele quisesse agradecer pessoalmente a todos que conhecia por salvar-lhe a vida”, escreve a autora. “Quando Dewey chegou, era inverno e parecia que a nossa cidade estava triste. Mas, com o passar do tempo percebemos que a cidade se encheu de alegria e que Dewey inspirou até o progresso da cidade”. Mas  Dewey logo provoca uma polêmica, que divide os 10 mil habitantes do vilarejo. Muitos afirmavam que a presença do gato era prejudicial à saúde, enquanto outros defendiam sua permanência na biblioteca. Mas todos acabam se rendendo ao charme e ao carisma do felino - até mesmo o menino alérgico que mal podia se aproximar dele.

Com estilos variados e diferentes graus de ambição, Firmin e Dewey celebram o poder dos livros e da literatura de transformar a vida das pessoas. Seus personagens são espelhos do potencial e dos limites de cada leitor. Mais do que sobre gatos e ratos, falam, portanto, sobre seres humanos - e talvez esteja aí a verdadeira razão de seu sucesso

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