terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Postado por Luciano Trigo em 10 de Novembro de 2008 às 21:11

Entrevista: Martha Medeiros

Em Doidas e santas, a escritora gaúcha faz a crônica da nova desordem amorosa

clip_image001

clip_image002

Há várias semanas nas listas de livros mais vendidos de todo o país, Doidas e santas (L&PM, 232 pgs. R$31) reúne cem crônicas da gaúcha Martha Medeiros, cronista, poeta e romancista que vem conquistando uma legião cada vez maior de leitores (e sobretudo leitoras) com textos que abordam diferentes questões da vida contemporânea. Amor, maternidade, sexo, família, casamento e as neuroses da vida urbana são alguns dos temas abordados no livro, que mapeia a mutante ordem afetiva em que vivemos.

G1: Ao longo de sua vida, você foi mais doida ou santa? E no momento atual?

MARTHA MEDEIROS: São dois adjetivos fortes e muito antagônicos. Acho que sempre fui mais santa, no sentido de não ser rebelde, de seguir certas regras, de não virar muitas mesas. De algum tempo para cá, estou virando algumas, todas particulares e sem fazer muito estardalhaço. Não chego a ser uma doida graduada, mas aprendi a respeitar minhas pequenas loucuras secretas.

G1: A crônica que dá título ao seu novo livro foi inspirado num verso de Adélia Prado: “Estou no começo do meu desespero/ e só vejo dois caminhos:/ ou viro doida ou santa”. Você acha que a mulher brasileira contemporânea realmente vive esse dilema?

MARTHA: Não tive a pretensão de retratar a mulher brasileira contemporânea. Essa crônica fala genericamente das escolhas que uma mulher madura faz: ou ela segue tentando satisfazer seus desejos ou interrompe as buscas. Costuma-se dizer que uma mulher de certa idade que ainda almeja paixões é uma doida, as santas serenizam. Na minha opinião, essas santas é que são loucas.

G1: Lá pelas tantas você escreve: “Toda mulher é doida. Eu só conheço mulher louca”. Se um homem escrevesse isso, talvez fosse apedrejado… Seus leitores às vezes reagem mal ao que você escreve? Em que medida o retorno que eles dão afeta a sua escrita?

MARTHA: Nenhum homem seria apedrejado se escrevesse isso, a não ser por mulheres muito mal humoradas, porque está na cara que ser “louca”, no sentido em que uso, é um elogio a todas nós. É a loucura do eterno questionamento, de não se contentar com o que parece definitivo, de possuir inúmeras vontades, mesmo contraditórias: casar e não casar, ter filhos e não ter filhos… É a loucura sadia de querer se conhecer profundamente, já que não muito tempo atrás nosso papel era muito definido e inquestionável. Antes éramos mulheres privadas, agora somos públicas. Ainda estamos em estado de excitação: falamos demais, gesticulamos demais, queremos demais, amamos demais. Somos ainda bastante superlativas. Quanto ao retorno dos leitores, é estimulante, mas não muda o caráter da minha escrita. Aceito críticas bem argumentadas e que são feitas com educação, e deleto as grosserias, mas na maior parte do tempo recebo elogios, pAra minha sorte. De qualquer forma, não há como alterar o
jeito de escrever em função de uma reação ou outra: eu faço o que sei fazer, não conheço outro jeito.

G1: Você está entre os escritores mais reproduzidos Na Internet. Como enxerga a crescente “virtualização” da vida, dos relacionamentos, da comunicação entre as pessoas?

MARTHA: Duas coisas: a reprodução dos meus textos pela Internet, apesar de me
divulgar, me incomoda barbaramente. Eu me daria por satisfeita em ser lida nos jornais e nos livros – o que já é bom demais. Na Internet, perco o controle do meu trabalho. Meus textos ganham enxertos, ganham cortes, ganham novas autorias, vêm acompanhados de músicas que não são do meu gosto, de ilustrações que não acrescentam nada, enfim, me sinto violada, apesar de entender que nada posso fazer quanto a isso, e que há uma generosidade do leitor por trás dessa propagação do meu trabalho. Me rendo. Quanto à virtualização da vida, ninguém nos obriga a isso, é uma opção nossa. A comunicação por e-mail é facilitadora, dinamiza as relações. Já expor a vida no Orkut me parece pura vaidade. Mas ela é explicável neste mundo onde você só “existe” se tiver uma vasta platéia. Ninguém mais está interessado em existir apenas para si mesmo.

G1: E como analisa esse impulso à exposição da intimidade, que fica explícita nas redes sociais, mas também em programas de televisão e mesmo no dia-a-dia, nas conversas cotidianas? A que atribui isso?

MARTHA: Acho que é isso: vaidade e solidão. Estamos vivendo uma época em que
todos sentem necessidade de “aparecer” para comprovar sua existência. Claro que isso não acontece com todo mundo, mas me parece que esse universo espetaculoso que a gente vê nas revistas e na televisão está gerando muitos complexos de inferioridade por aí, e a gente sabe que quanto mais inferior a pessoa se sente, mas necessidade tem de se exibir, de se expor, de ser arrogante.

G1: Várias crônicas suas falam sobre o casamento e a relação a dois. Você acha que o casamento e a família estão em crise? Que futuro você enxerga para essas duas instituições numa sociedade em que todos os laços parecem cada vez mais instáveis e frágeis?

MARTHA: Eu creio que todo mundo segue almejando uma relação estável, uma
relação de amor. Falta aceitar que o “pra sempre” não existe mais, porque temos mais oportunidades e mais longevidade, e isso dinamiza a vida. Se aceitarmos que não é nenhum fiasco vivenciar, ao longo da vida, duas ou três relações estáveis – sem contar as provisórias, contingentes, como dizia Simone de Beauvoir – ninguém mais falará em fracasso ou crise. Se observarmos bem, já estamos vivendo essa realidade. Falta aceitá-la como padrão de normalidade.

G1: Encontrar a felicidade amorosa virou quase uma obrigação muito pesada, especialmente para as mulheres. Vivemos uma fase de desespero afetivo, em que as pessoas buscam o amor a qualquer preço?

MARTHA: A qualquer preço, nem todos. Buscar a felicidade amorosa sempre foi
um objetivo do ser humano. Algumas pessoas realmente se desesperam e se jogam em qualquer oportunidade de contato, mas quem somos nós para julgar? E se esse preço não for caro pra elas? Outras aceitam a idéia de viverem sozinhas, até que surja alguém em quem valha a pena investir. Acho que a patrulha era até pior antes: se você não fosse casado, era uma solteirona recalcada (nós) ou playboys indignos de confiança (vocês). Uma enorme pressão. Hoje as pessoas já não cobram tanto se você é solteiro ou casado, ainda que a sociedade sempre receba com mais alegria os “pares” do que os “ímpares”.

G1: Lutas de décadas passadas, especialmente das mulheres, são hoje conquistas
consolidadas. Mas existe um clima de insatisfação permanente no ar, ou não? Você acha que as pessoas estão mais felizes na nova ordem em que vivemos, de “fast relationships”?

MARTHA: Acho que a insatisfação feminina está mais relacionada à quantidade
de responsabilidades que ela tem assumido. Parece que é preciso ser super-mulher para provar que a revolução feminista vingou. Vejo certas capas de revistas, e parecemos todas biônicas, infladas, poderosas. Creio que é o momento de buscar um equilíbrio nas tarefas e não se importar muito com o que a sociedade espera de nós. Quanto às fast relationships, eu sei que é isso que rola, mas fica difícil eu comentar sobre algo que não tenho testemunhado in loco. Ao menos nos circuitos que eu freqüento – bastante  caseiros, reconheço – ninguém está se sentindo condenado a essa brevidade: tem muita gente aí a fim de investir numa relação, de não ficar trocando de par a cada semana. O que as revistas mostram, a vida das celebridades, não pode ser analisada como padrão de comportamento.

G1: O fato de ser gaúcha ajuda você a ter uma percepção diferente das coisas? A sociedade gaúcha é mais machista e conservadora que a do eixo Rio-São Paulo? Ou isso é um preconceito?

MARTHA: Não sei se o meu trabalho seria diferente no caso de eu ter nascido no
Rio de Janeiro ou em São Paulo. Se eu tivesse nascido de outro pai e outra mãe, aí sim: seria uma pessoa diferente. Mas minha influência cultural não vem apenas de costumes regionais: vem dos livros, do cinema, das viagens, de idéias que extrapolam fronteiras. O Rio Grande do Sul tem uma tradição machista, mas ao mesmo tempo foi o primeiro estado a apoiar a união entre homossexuais. É um estado conservador e, ao mesmo tempo, foi o primeiro a dar suporte ao PT, quando este ainda era um partido totalmente alinhado com uma esquerda dita revolucionária. Então prefiro não me amparar em estereótipos. Acho que temos uma queda por rótulos, o que reduz a visão do todo.

G1: A sua experiência na publicidade afetou de alguma maneira a sua escrita, no sentido de ter ensinado a “seduzir” o leitor?

MARTHA: Sem dúvida. O texto publicitário quer persuadir, antes de tudo. Trabalhei cerca de 14 anos nessa área e certamente trouxe alguns cacoetes para a crônica, só que meu universo agora não é mais o de compra e venda de produtos, e sim o da permuta de idéias, do compartilhamento de reflexões. Ainda assim, reconheço que meu texto procura  “ganhar” o leitor através de uma comunicabilidade amparada no humor e no coloquialismo, e isso tem a ver com a propaganda. Meu texto não é indiferente em relação a quem o lê.

___

LEIA TAMBÉM, da mesma autora:

clip_image003clip_image004clip_image005clip_image006

Nenhum comentário: