segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Gregório de Mattos e Guerra

(1633-1695)
Nasceu na Bahia e, após estudos no colégio dos Jesuítas, foi para Portugal, aonde se formou em Direito pela Universidade de Coimbra. Começou logo a produzir suas sátiras, cujo caráter irreverente provocou sua expulsão de Lisboa.

Voltou para o Brasil, onde se envolveu em muitas aventuras, sempre em polêmica com o poder ou os poderosos.
Morreu em Recife e foi enterrado na Capela do Hospício de Nossa Senhora da Penha. Demolida a capela, não restou nenhum vestígio de Gregório de Matos.
Escreveu poesia lírica, satírica e religiosa.

Poeta do Barroco - O boca do inferno - genial canalha - fazia críticas mordazes aos políticos da Bahia do século XVI. Linguagem histórica, com expressões chulas (vulgares), uma referência à sátira mordaz do poeta Gregório de Matos Guerra

Uma das principais referências do barroco brasileiro é Gregório de Matos Guerra, poeta baiano que cultivou com a mesma beleza tanto o estilo cultista quanto o conceptista.

Na poesia lírica e religiosa, Gregório de Matos deixa claro certo idealismo renascentista, colocado ao lado do conflito (como de hábito na época) entre o pecado e o perdão, buscando a pureza da fé, mas tendo ao mesmo tempo necessidade de viver a vida mundana. Contradição que o situava com perfeição na escola barroca do Brasil. É patente do movimento nativista quando ele separa o que é brasileiro do que é exploração lusitana.

CULTISMO

– A poesia sacra de Gregório de Matos às vezes é simples pretexto para exercício do cultismo. Veja o jogo de palavras no poema a seguir.

O todo sem parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo
Em todo sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam
Nos disse as partes todas deste

CONCEPTISMO

Assim como o nome lembra (concepção = idéia, conceito), enfatiza, sendo parte, o plano das idéias do texto, e procura ressaltá-las, evidenciando-as e as tornando-as mais claras possíveis. O cultismo, por sua vez, é o culto da forma.

POESIA LIRICA

Anjo de nome Angélica

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda."

Como resultado, o Barroco expressa um homem angustiado, dividido entre a efemeridade do mundo material e a incerteza do mundo espiritual. É isso o que presenciamos na poesia lírica de Camões, e o que intuímos ao ler o soneto de Gregório, acima.

"Anjo no nome, Angélica na cara", faz parte da poesia lírico-amorosa de Gregório. Nele, o que anteriormente intuímos, agora torna-se evidente. Uma dicotomia barroca percorre todo o poema.

No primeiro verso, encontramos as duas primeiras metáforas do poema: "Anjo" e "Angélica". É importante perceber o trocadilho feito pelo poeta. O nome da moça a quem ele dedica o poema é Ângela, que vem do Latim, angelus, ou seja "anjo". Angélica é um diminutivo de Ângela, sendo também o nome de uma flor que remete à sensualidade. Logo, percebemos a aproximação de idéias antitéticas: "anjo" (pureza/espírito) x "Angélica/flor" (sensualidade/matéria). Nos três versos seguintes, o eu lírico reafirma a união dos opostos em uma só mulher ( "Isso é ser flor e anjo juntamente, / Ser Angélica flor e anjo florente" ).

Símbolos, como lua e flor, representam a dualidade feminina na cultura ocidental. E é a flor um dos símbolos corriqueiros no Barroco. Planta encantadora, dotada de cores variadas, das mais diferentes espécies, perfumes luxuriantes, a representação da beleza. Mas, eis que ela nos reserva um outro lado: a sua fragilidade, a sua fugacidade, e, muitas vezes, espinhos. É a Flor Barroca o grande símbolo da dualidade e efemeridade da vida.

Na segunda estrofe, o eu lírico reafirma a sensualidade da flor/anjo e afirma a inevitabilidade de entregar-se a ela ("Quem veria uma flor, que a não cortara / De verde pé, de rama florescente? / E quem um Anjo vira tão luzente, / Que por Deus, o não idolatrara?" ). As duas últimas estrofes opõem-se, respectivamente, quanto ao sentido. Primeiramente, na terceira estrofe, o eu lírico afirma que é guardado pelo Anjo ( "Se como Anjo sois dos meus altares, / Fôreis o meu custódio, e minha guarda, / Livrara eu de diabólicos azares" ). Logo depois, na quarta e última estrofe, o eu lírico afirma que o Anjo o tenta e não o guarda ( "Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, / Posto que Anjos nunca dão pesares, / Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda." ). Percebemos, aqui, a aproximação do sagrado e do profano.

O poema apresenta um impasse camoniano típico: o duelo entre desejo e neoplatonismo, a espiritualizarão do amor. O amor, assim como a pessoa amada, é explicado nas oposições corpo x alma, matéria x espírito, desejo x castidade, bem x mal.

Em si mesma, a Flor Barroca unifica os pares de pólos opostos, e dá a luz a um terceiro sentido. A Flor Barroca é tridimensional. Por isso ela é moderna, pois revela todos os ângulos do homem.

POESIA SATÍRICA

JUÍZO ANATÔMICO DA BAHIA (37)

Que falta nesta cidade?.................Verdade

Que mais por sua desonra?..........Honra

Falta mais que se lhe ponha?.........Vergonha.

O demo a viver se exponha,

Por mais que a fama a exalta,

numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio

Quem causa tal perdição?............Ambição

E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura

de um povo néscio, e sandeu,

que não sabe, que o perdeu

Negócio, Ambição, Usura.

Quais são seus doces objetos?..........Pretos

Tem outros bens mais maciços?.........Mestiços

Quais destes lhe são mais gratos.........Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,

Dou ao demo a gente asnal,

Que estima por cabedal

Pretos, Mestiços Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?...........Meirinhos

Quem faz as farinhas tardas?.............Guardas

Quem as tem nos aposentos?..............Sargento.

Os círios lá vêm aos centos,

E a terra fica esfaimando,

Porque os vão atravessando

Meirinhos, Guardas, sargentos.

O que justiça a resguarda?............. Bastarda

É grátis distribuída?................Vendida

Que tem que a todos assusta?........Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa

Que El-Rei nos dá de graça,

Que anda a justiça na praça

Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela cleresia?..............Simonia

E pelos membros da Igreja?.......Inveja

Cuidei que mais lhe punha?.........Unha.

Sazonada caramunha

Enfim, que na Santa Sé

Que mais se pratica é

Simonia, Inveja, Unha.

E nos Frades há manqueiras?...........Freiras

Em que ocupam os serões?.............Sermões

Não se ocupam em disputas?..........Putas.

Com palavras dissolutas

Me concluis, na verdade,

Que as lidas todas de um Frade

São freiras, sermões e putas.

O açúcar já se acabou?..........Baixou

O dinheiro se estinguiu?..........Subiu

Logo já convalesceu?...............Morreu.

A Bahia aconteceu

O que a um doente acontece,

Cai na cama, o mal lhe cresce,

Baixou, subiu e morreu.

A câmara não acode?..............Não pode

Pois não tem todo o poder?......Não quer

Que o governo a convence?........Não vence.

Quem haverá que tal pense,

Que uma Câmara tão nobre,

Por ver-se mísera e pobre,

Não pode, não quer, não vence.

Análise de fragmentos do poema

Quem a pôs neste socrócio? -Negócio.
Quem causa tal perdição? -Ambição.
E o maior desta loucura? -Usura.
Notável desventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.


Quais são seus doces objetos? -Pretos.
Tem outros bens mais maciços? -Mestiços.
Quais destes lhes são mais gratos? -Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.
...

Nos poemas atribuídos a Gregório de Mattos, os negros e índios são descritos como indignos, subumanos, irracionais. A desqualificação de um índio ou mulato pode aparecer como tema principal, mas com muita freqüência é usada atribuída a outra como forma de insulto; referidas a pessoas brancas, sensibilizam a falta de virtudes fidalgas.

E nos Frades há manqueiras? –

Freiras.
Em que ocupam os serões?

-Sermões.
Não se ocupam em disputas?

- Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluís, na verdade,
Que as lidas todas de um Frade
São freiras, sermões, e

putas.

Apesar de surpreender a audácia com que Gregório de Mattos interpretava a “simbologia” sagrada do catolicismo e a figura de Jesus, é passível de aceitação considerando-se que o poeta teve sua religiosidade construída numa base mais “popular”, traço presente na tradição da cultura medieval portuguesa (a qual ele esteve sujeito durante sua formação), que admitia o uso corriqueiro de elementos obscenos, grosseiros, inversão de textos e ensinamentos sagrados. A poesia gregoriana recorre ao jogo entre o sagrado e o profano num processo de “dessacralização” e popularização, o que se verifica pelo uso que faz, repetidas vezes, da rima Jesu/cu:

DEFINE SUA CIDADE (94)

De dous ff se compõe

Esta cidade a meu ver

Um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,

E quem o recopilou

Com dous ff o explicou

Por estar feito, e bem feito:

Por bem Digesto e Colheito

Só com dous ff o expõe

No trato, que aqui se encerra,

Há de dizer que esta terra

De dous ff se compõe.

Se de dous ff composta

Está a nossa Bahia,

Errada a ortografia

A grande dano está posta:

Eu quero fazer a aposta,

E quero um tostão perder,

Que isso a há de preverter,

Se o furtar e o foder bem

Não são os ff que tem

Esta cidade a meu ver.

Provo a conjetura já

Prontamente como um brinco:

Bahia tem letras cinco

Que são B A H I A

Logo ninguém me dirá

Que dous ff chega a ter,

Pois nem um contém sequer,

Salvo se em boa verdade

São os ff da cidade

Um furtar outro foder.

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