segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A influência de Gôngora e Quevedo na obra de Gregório de Mattos e Guerra

clip_image002Escola Superior Professor Paulo Martins – ESPAM

Disciplina: Literatura Brasileira I

Professor: Augusto Machado

Aluna: Ângela Maria Campos Michelini

A influência de Gôngora e Quevedo na obra de Gregório de Mattos e Guerra

Brasília, dezembro de 2008

“O barroco é um movimento de interesse universal, que compreende todas as manifestações artísticas de um determinado período de tempo, e então as fronteiras lingüísticas e literárias são meras ficções, que não limitam de modo algum a extensão do fenômeno”

Alejandro Cioranescu

Análise do contexto histórico – literário em que se insere Gregório de Mattos e Guerra

Gregório de Mattos e Guerra nasceu no mês de abril ou dezembro, do ano de 1633 ou 1636, conforme indicação de autores que estudaram sua vida e sua obra.

Ao analisarmos a realidade visualizada pelo menino Gregório quando de seu nascimento, o encontramos em uma colônia portuguesa sem nenhum refinamento cultural, pois a sociedade que vivia por aqui realmente era de desbravadores, ou seja, homens que lutavam contra uma natureza agreste em condições atrasadas de vida, se compararmos a realidade brasileira ao que havia em Portugal naquela época.

A cultura no Brasil colônia ou vinha importada da Europa ou se restringia a um incipiente letramento posto em prática por pessoas que se dedicavam, no mais das vezes, a narrar para os que longe estavam a forma do viver na colônia, seus pontos interessantes, suas peculiaridades, seus problemas e as soluções encontradas para a sobrevivência nesta terra inóspita.

Devemos lembrar-nos também dos elementos que compuseram o quinhentismo português para entendermos as primeiras influências sofridas por Gregório quando de sua vida na colônia:

“O quinhentismo português constitui-se da combinação de elementos medievais, clássicos e nacionais. Os elementos medievais são: a velha métrica, as origens e a estrutura do teatro vicentino, a história por crônicas de reis e a novela de cavalaria; os elementos clássicos, de importação, principalmente italiana: o teatro clássico, comédia e tragédia, o romance e a écloga (poesia pastoril) pastorais, a nova métrica com suas variedades de forma, e a epopéia; os elementos nacionais: o movimento interno do teatro vicentino, ou o mundo que nele se agita; a historiografia, ou narração dos grandes feitos coloniais e crônica da expansão; a epopéia, transformada por Camões de gênero clássico em instrumento da idéia nacional, os gêneros novos, ligados às narrativas das descobertas, como as relações de naufrágios e os roteiros de viajantes.”(página 4 do livro “A literatura no Brasil”, de Afrânio Coutinho)

Como a família Guerra tinha posses, o menino Gregório pôde usufruir de boa formação escolar, proporcionada pelo Colégio dos Jesuítas da Bahia.

Aos 16 ou 19 anos, em 1652, transfere-se para Coimbra, onde vai estudar leis. Lá chegando, assistimos o jovem Gregório em contato com a cultura européia, após anos de vida no Brasil colônia.

A cultura portuguesa daquela época, neste caso a literatura, atingiu extraordinário brilho através de publicações tais como: os sermões do Padre Antônio Vieira (convém ressaltar que o “Sermão da Sexagésima” foi pregado na Capela Real, em Lisboa, em 1655), “Carta de Guia de Casados” de D. Francisco Manuel de Melo, em 1650, “Arte de Furtar” de Matias Aires, em 1652, ”Fênix Renascida”, de Jerônimo Baia, “Obras Métricas” de D. Francisco Manuel de Melo novamente, em 1665, “Cartas de Amor, de Sóror Mariana Alcoforado, em 1669, “Cartas Familiares” de D. Francisco Manuel de Melo mais uma vez, em 1664, etc.

Ponto importante quando se analisa a literatura portuguesa, é o fato de que nos anos de 1580 a 1640 Portugal esteve sob o domínio espanhol, o que nos leva a crer que a literatura portuguesa deve ter estado em íntimo contato com obras de Luis de Góngora y Argote (11 de julho de 1561 a 23 de maio de 1627) e Francisco Gómez de Quevedo y Santibánez Villegas (14 de setembro de 1580 a 08 de setembro de 1645), ambos, escritores espanhóis, responsáveis pelo Cultismo e Conceptismo, respectivamente.

Acerca do domínio espanhol sobre Portugal, sabemos que o fato decorreu do desaparecimento do rei de Portugal D. Sebastião na batalha de Alcácer – Quibir. Neste momento aconteceu o fim das grandezas arduamente conquistadas a partir da tomada de Ceuta, através do caminho marítimo para as Índias, da descoberta do Brasil e de outros acontecimentos semelhantes. Desaparecido o rei, assumiu o trono o seu tio, Cardeal D. Henrique.

Durante dois anos se discutiu a questão da sucessão, e em 1580, Filipe II, rei da Espanha e herdeiro mais próximo da Coroa Portuguesa anexa Portugal às suas terras.

Portugal esteve, assim, de 1580 até 1640 sob o domínio da Coroa Espanhola.

Coincidentemente, em 1580, falece o poeta Luís Vaz de Camões, poeta visionário e cantor das glórias perdidas e o intuitivo que pressentira a perigosa situação de inconsciência coletiva de Portugal

Estes dois acontecimentos, a submissão de Portugal à Espanha e a morte em plena miséria de Camões, marcam o crepúsculo de um mundo e a manhã de outro, pois neste momento termina a Renascença e tem início a extensa época do barroco em Portugal.

E então temos o jovem Gregório, de boas posses, de boa família, estudando na Portugal recém saída do jugo espanhol, em uma universidade conceituada, universidade esta que se pretendia o templo de um saber europeu, sofrendo influências de escritores que marcaram o saber ocidental com suas obras poéticas e narrativas.

Finalmente, no ano de 1661 encontramos Gregório formado. Em 1663 é nomeado juiz de fora de “Alcácer do Sal”, em 1668 recebe a função de representar a Bahia nas cortes de Lisboa, em 1679 é nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia e em 1682 é nomeado tesoureiro-mor da Sé.

E assim transcorrem 46 anos da vida de Gregório, todos passados em Portugal, convivendo com a realeza e em contrapartida usufruindo de todas as benesses oriundas de sua posição privilegiada naquele país.

Concomitantemente à sua vida profissional, assistimos o agora senhor Gregório como testemunha da instalação na Europa do movimento chamado Barroco.

Sobre o Barroco é conveniente recordarmos a divisão postulada pela História da Arte que estudou este movimento, e que assim o define:

“estilo de época que se estende do Renascimento até o Rococó. Porém, dividindo esta época, de acordo com o desenvolvimento das variantes ou estilos “geracionais”, fala-se, como acabamos de ver, antes de Maneirismo, que se origina pelo prolongamento e distorção das formas do último Renascimento; de Barroco clássico, com formas ao mesmo tempo majestosas e sóbrias dentro de sua pomposa ostentação, e de Barroquismo, que exagera a linha barroca, quer no sobrecarregado churriguerismo espanhol, quer no mais leve e prazenteiro Rococó francês”. (página 39 do livro “Estudos sobre o Barroco”, de Helmut Hatzfeld)

Gregório esteve durante a efervescência cultural ocasionada pelo Barroco em pleno “olho do furacão”, ele privou com autores que estavam redefinindo a história da arte ocidental e isto inegavelmente influenciou toda a sua obra.

Entre os literatos contemporâneos de Gregório, encontramos Padre Antônio Vieira, Francisco Rodrigues Lobo, D. Francisco Manuel de Melo, Padre Manuel Bernardes, Cavaleiro de Oliveira e Matias Aires, todos eles escritores portugueses.

Quanto aos escritores contemporâneos de Gregório na Espanha, temos Sóror Joana, Bernardo de Balbuena, Francesc Fontanella, Francec Vicenç Garcia e Josep Romaguera.

Na Inglaterra, William Shakespeare se destaca na poesia lírica e no teatro.

Sabemos também do interesse de Gregório pela obra dos dois poetas espanhóis Gôngora e Quevedo.

Apesar de ter sido publicado em 1605 e ser considerada por alguns críticos uma obra do Classicismo e por outros uma obra com características barroca, não podemos deixar de destacar a obra de Miguel de Cervantes Saavedra, que viveu de 1547 a 1616, o fabuloso “Dom Quixote de La Mancha”, ou “El ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha”, seu título original, na qual Cervantes fez uma sátira bem humorada das novelas de cavalaria e criou o personagem Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança.

Em 1662, depois de curta estadia no Brasil, Gregório retorna para Portugal, onde exerce pela primeira vez sua veia satírica na poesia, ao escrever o notável poema “Marinícolas”.

O ano de 1681 encontra nosso poeta desgostoso com a vida na corte portuguesa (provavelmente por ter caído em desgraça com o rei), e resolvido a retornar de vez para o Brasil, o que realmente acontece, quando Gregório contava 48 anos.

O que desencadeou a sua queda das boas graças do rei é narrado na biografia que abre o volume “Poemas Escolhidos – Gregório de Mattos” de José Miguel Wisnik, que assim narra o episódio:

“...caiu das graças do rei, por rejeitar a missão de devassar no Rio de Janeiro os crimes de Salvador Correia Benavides, “tão poderoso quão resoluto réu”, ou por não acreditar nas recompensas reais quanto à sua participação no mesmo caso. Manuel Pereira Rabelo supõe ainda que sua desgraça junto ao poder se deva à maquinação de alguma pessoa influente feita objeto de suas sátiras”.

Como a família Guerra era muito influente aqui no Brasil, por seu intermédio Gregório recebe das mãos de D. Gaspar Barata, arcebispo da Bahia, os cargos de Vigário – Geral e Tesoureiro – Mor.

O espírito galante, boêmio e excessivamente verdadeiro de Gregório torna-se um empecilho para a sua continuação na investidura dos cargos recebidos, e em pouco tempo é exonerado de suas funções.

No Brasil que Gregório reencontra, percebem-se ecos do Barroco europeu, principalmente durante os séculos XVII e XVIII, e os poetas que versejam em nossa terra se utilizam de motivos e formas do barroquismo ibérico e italiano.

Uma explicação completa do que acontecia no Brasil do retorno de Gregório nos é dada por Alfredo Bosi, em seu livro “História Concisa da Literatura Brasileira”:

No Brasil houve ecos do Barroco europeu durante os séculos XVII e XVIII: Gregório de Matos, Botelho de Oliveira, Frei Itaparica e as primeiras academias repetiram motivos e formas do barroquismo ibérico e italiano.

Na segunda metade do século XVIII, porém, o ciclo do ouro já daria um substrato material à arquitetura, à escultura e à vida musical, de sorte que parece lícito falar de um “Barroco brasileiro” e, até mesmo, “mineiro”, cujos exemplos mais significativos foram alguns trabalhos do Aleijadinho, de Manuel da Costa Ataíde e composições sacras de Lobo de Mesquita, Marcos Coelho e outros ainda mal identificados. Sem entrar no mérito destas obras, pois só a análise interna poderia informar sobre o seu grau de originalidade, importa lembrar que a poesia coetânea delas já não é, senão residualmente, barroca, mas rococó, arcádica e neoclássica, havendo, portanto, uma discronia entre as formas expressivas, fenômeno que pode ser variamente explicado. Acho razoável a hipótese de que o nível de consciência dos produtores da literatura arcádica se achava muito mais próximo da ilustração burguesa européia do que o dos mestres-de-obra e compositores religiosos de Minas e Bahia (cujos modelos remontam ao Barroco seis-setecentista). Assim, o Aleijadinho, que esculpe e constrói nos fins do século XVIII, ignora o Neoclassicismo; e a música de Lobo de Mesquita e de Marcos Coelho Neto lembra Vivaldi e Pergolese e quando nos sugere cadências de Haydn, trata-se antes do Haydn sacro, melódico e italianizante (logo, ainda barroco) do que do mestre da sinfonia clássica.

De qualquer modo, é possível distinguir: a) ecos da poesia barroca na vida colonial (Gregório de Mattos e Guerra, Manuel Botelho, as academias) e b) um estilo colonial – barroco nas artes plásticas e na música, que só se tornou uma realidade cultural quando a exploração das minas permitiu o florescimento de núcleos como Vila Rica, Sabará, Mariana, São João d’El Rei, Diamantina, ou deu vida nova a velhas cidades quinhentistas como Salvador, Recife, Olinda e Rio de Janeiro.

Apesar da importância que Gregório tem para a Literatura Brasileira, é extremamente difícil a reconstituição de sua carreira, pela característica de descontinuidade que ela apresenta.

Sabemos que o gênio do barroco brasileiro militou por todos os setores da poesia: na sátira, na lírica profana e lírica religiosa, na encomiástica, é um fato que este poeta explorou todos os recantos da poesia.

Através da obra de Gregório percebemos que a poesia satírica foi a primeira a se fazer perceber, sendo que depois o lirismo do poeta veio à tona, através de suas poesias amorosas. Em certos momentos, porém, o encontramos se utilizando de sua verve satírica concomitantemente à amorosa.

Um fato que podemos constatar é que em certa altura de sua vida, sua poesia deixa de ser predominantemente venenosa, fato este ocasionado por um período de fé e de reflexão, neste momento vemos um Gregório dominando seu gênio picaresco e seu veneno e versejando de maneira amena e até doce.

Sobre a obra de Gregório, percebemos de imediato a dificuldade que se apresenta a quem quiser efetuar uma análise honesta e ética, pois em vida este autor não teve nenhum trabalho publicado, como podemos constatar pelo texto de Afrânio Coutinho reproduzido abaixo:

Ao tempo do poeta a imprensa estava oficialmente proibida no Brasil. Suas poesias corriam de mão em mão, e o Governador da Bahia, D. João de Lencastre, que tanto admirava “as valentias desta musa”, coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros especiais, afora as cópias de seus admiradores, entre os quais a do licenciado Manuel Pereira Rabelo, biógrafo do poeta. Será, destarte, temerário afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente de sua autoria. À falta de uma cronologia de sua produção poética, tornou-se difícil um estudo crítico de sua obra.

Análise das características do Cultismo de Luís de Gôngora y Argotes.

Luís de Gôngora y Argotes nasceu em Córdoba, Espanha, em 11 de julho de 1561 e morreu em 23 de maio de 1627.

Foi um religioso, poeta e dramaturgo e um dos expoentes da literatura barroca espanhola.

Era filho de um cidadão influente da sociedade espanhola, o que lhe facultou o acesso ao que de melhor havia em matéria de educação. Aos 15 anos iniciou seus estudos na área de direito e filosofia na cidade de Salamanca.

Em 1585, com 24 anos, Luís de Gôngora Y Argotes assume a carreira eclesiástica, indo trabalhar na catedral de Córdoba.

Gôngora aparentemente não tinha como principal objetivo editar suas poesias, pois apesar de a imprensa já ter sido descoberta muitos anos antes ( em 1455) e de ser comum a impressão de obras de poetas, apenas em 1623 tentou publicar um livro com suas poesias, mas mesmo esta tentativa não foi bem sucedida, o que fez com que ele não tivesse nenhum poema seu publicado ainda em vida.

A poesia de Gôngora foi colecionada e recopiada em cancioneiros, romanceiros e antologias, e divulgada através de cópias manuscritas.

Um fato interessante acerca das poesias de Gôngora é que em 1626 o impressor Juan Lopes Vicuña publicou uma antologia intitulada “Obras en verso del Homero español”, uma edição impressa dedicada exclusivamente às obras de Gôngora. A edição, entretanto, foi mandada recolher pela Inquisição, tendo pouca divulgação.

Gôngora era um poeta muito crítico de sua produção, e costumava dizer: “El mayor fiscal de mis obras soy yo”. Havia em Gôngora um inconformismo com a forma existente de versejar, e por isso inovou, tentando “hacer algo no para muchos. Em suas tentativas para se afastar dos “cânones existentes” procurou seguir ainda mais a retórica e a imitação da poesia latina clássica, e para tal introduziu numerosos “cultismos” e uma sintaxe baseada no hipérbato e na simetria.

Outro detalhe muito importante para Gôngora era a sonoridade do verso, que cuidava com a atenção de um músico ao compor uma sinfonia, o que produzia versos de estética apurada.

Além desse exacerbado culto estético, a poesia de Gôngora (principalmente a de sua última fase) se apresentava como um obscuro exercício para mentes despertas e eruditas, como uma espécie de adivinhação ou desafio intelectual com o objetivo de causar prazer através do exercício de sua decifração.

Estas características, as mais marcantes da poesia de Luís de Gôngora Y Argotes, com o passar do tempo foram chamadas de “Gongorismo” em homenagem ao seu criador.

Sobre a poesia gongórica, a crítica tem distinguido tradicionalmente dois estilos ou maneirismos: o príncipe da luz e o príncipe das trevas. O príncipe da luz corresponderia à sua primeira etapa como poeta, quando compôs romances e poemetos unanimemente louvados. O príncipe das trevas corresponde à sua última fase, com poemas obscuros e de difícil entendimento.

Análise do Conceptismo de Francisco Gómez de Quevedo Y Santibáñez Villegas.

Francisco Gómez de Quevedo Y Santibañez Villegas nasceu em Madrid, Espanha, em 14 de setembro de 1580 e morreu em 08 de setembro de 1645.

Quevedo nasceu de uma família fidalga, e sua infância passou-se na corte Espanhola, onde seu pai trabalhava como secretário da princesa Maria, esposa de Maximiliano da Alemanha.

Tendo ficado órfão aos seis anos de idade, Quevedo refugiou-se na biblioteca do colégio onde estudava.

Com dezesseis anos, freqüentou a universidade de Alcalá de Henares, interessando-se por matérias como filosofia, línguas clássicas, árabe, hebreu, francês, e italiano. Em Valladolid estudou teologia, tendo mais tarde produzido obras teológicas, como o tratado contra o ateísmo “Providencia de Dios”.

Aos 25 anos, já se destacava como poeta, tendo sido mencionado na antologia de Pedro Espinosa “Flores de poetas ilustres”, ainda que o conjunto de sua obra só tenha sido publicado depois de sua morte.

Dirigiu sátiras terríveis contra Gôngora, a quem acusou de ser “um sacerdote indigno, homossexual e escritor obscuro, baralhado e indecente”.

Uma das características do Conceptismo é o uso de jogo de idéias (conceitos), através do que é construído um raciocínio lógico, racionalista, com retórica aprimorada.

São temas conceptistas a busca de respostas para fenômenos que antes eram atribuídos a Deus.

O silogismo, figura de linguagem em que se tira uma conclusão de duas ou mais proposições, é muito usado no conceptismo de Quevedo.

O conceptismo de Quevedo é um exercício da agudeza de engenho, ou o virtuosismo de um pensamento que procede por meio de sutilezas analógicas.

A questão do plágio e da autoria na obra de Gregório de Mattos e Guerra

A tarefa de estudar a obra de Gregório de Mattos e Guerra é árdua, complicada e de todo insatisfatória no que diz respeito à questão da autoria e do plágio em seus poemas.

Conforme explica Massaud Moisés em seu livro “História da Literatura Brasileira – Volume I – das Origens ao Romantismo”, o problema pertinente a Gregório ocorreu com a maioria dos escritores coloniais. No Brasil - Colônia, as possibilidades de se imprimir uma coletânea de poesias eram mínimas, talvez pelo atraso na área de impressão, talvez pelo reduzido número de público que iria consumir tal produto, ou talvez por não se achar pessoa qualificada para tal empreitada.

Sem nos determos nos motivos que ocasionaram a falta de um documento com a coletânea das obras deste autor, é-nos necessário enfocar alguns itens que, pela falta de documentos comprobatórios, permanecem até hoje: as poesias de Gregório foram compiladas por copistas no mais das vezes pagos por poderosos ou guardadas através da memória até que fosse possível seu devido registro, o que propicia dúvidas quanto à sua correção, e também quanto à sua autoria.

O trabalho dos copistas não foi referendado por nenhum documento autenticado que confirmasse nem a autoria das cópias nem mesmo a lisura em seu registro.

Para total elucidação deste intrincado problema, copiamos o texto integral de Massaud Moisés:

“À semelhança do que sucedeu com a maioria dos escritores coloniais, a obra de Gregório de Mattos e Guerra manteve-se inédita longo tempo após sua morte.Além disso, enquanto viveu, e mesmo posteriormente, os seus poemas circulavam em cópias executadas por mãos nem sempre hábeis, que neles introduziram alterações de toda a ordem. Possuímos alguns desses códices, mas nenhum autógrafo, o que afasta, quem sabe para sempre, a hipótese de uma edição crítica do legado gregoriano. E como o caráter das cópias dependia do arbítrio individual, ainda ocorre que determinados poemas lhe são atribuídos indevidamente, ou constituem meras traduções ou paráfrases de obras alheias, ou ao contrário, composições tidas como escritas por outros poetas do tempo poderiam ser perfeitamente da sua lavra. Como se nota, o problema ecdótico suscitado pelo espólio de Gregório de Mattos e Guerra está longe de ser resolvido, ainda quando se cotejarem os apógrafos existentes, é de crer que a questão venha a permanecer intrincada, ao menos nalguns pontos”.

E assim se instala, no dizer de Afrânio Coutinho, em seu livro “A Literatura no Brasil”, a “Questão Gregoriana”.

Para Afrânio Coutinho é duvidoso afirmar que as poesias de Gregório de Mattos e Guerra devam ser consideradas como genuínas e isentas de dúvidas quanto à sua autoria:

“A Questão Gregoriana” – Há um “caso” Gregório de Mattos e Guerra na crítica brasileira: a obra atribuída ao primeiro poeta importante do Brasil deve ser considerada um produto genuíno e de valor local ou a sua originalidade é inexistente, não passando ele de um imitador e mesmo um plagiário dos grandes poetas castelhanos?”

Toda a celeuma teve início ainda quando o poeta era vivo, através do discurso de outro poeta, seu concorrente, o Padre Lourenço Ribeiro.

Este padre comparou algumas poesias de Gregório com poesias de Gôngora e Quevedo, e chegou à conclusão de que eram apenas cópias daquelas.

Desta época em diante, a crítica de Gregório se divide em duas vertentes: uma que reconhece o valor de Gregório, mesmo aceitando algumas incursões deste nas poesias de Gôngora e Quevedo, e o desculpam afirmando que esta postura era comum na época gregoriana, inclusive evocando a “mímesis” para esclarecer que no tempo do Barroco os poetas não procuravam a originalidade, e mesmo era comum um autor se utilizar de licenças poéticas reconhecidamente de outros poetas; a segunda corrente, mais ácida, menos compreensiva, acusando-o de plagiador e sem nenhum valor para a poesia brasileira.

A similitude entre a estrutura das poesias de Gôngora e Quevedo e a poesia de Gregório de Mattos Guerra.

A poesia cultista é uma poesia de linguagem rebuscada, culta, extravagante, em que se busca a valorização do pormenor mediante jogos de palavras. O conceptismo apresenta o abuso no emprego de figuras de linguagem, como as metáforas, as antíteses, as hipérboles, os hipérbatos, as anáforas, as paronomásias, etc.

Ao analisarmos o poema “O todo sem a parte não é todo”, percebemos que ele é marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada, o que aproxima esta obra dos ideais cultistas e conceptistas:

“O todo sem a parte não é todo;

A parte sem o todo não é parte;

Mas se a parte o faz todo, sendo parte,

Não se diga que é parte, sendo o todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo.

E todo assiste inteiro em qualquer parte,

E feito em partes todo em toda a parte,

Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte,

Pois que feito Jesus em partes todo,

Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,

Um braço que lhe acharam, sendo parte,

Nos diz as partes todas deste todo”.

Gregório escreveu este soneto para registrar o fato de ter sido achado um braço perdido do menino Jesus de Nossa Senhora das Maravilhas, após este ter sido desacatado por infiéis da cidade da Bahia. Percebemos a semelhança dos ideais cultistas e conceptistas na forma com que Gregório estruturou seu poema.

Estando o poeta à beira da morte, escreveu outro soneto em que se utilizou de formulações silogísticas, percebendo-se nele a existência de uma premissa maior (O amor infinito de Cristo salva o pecador), e uma premissa menor (Eu sou um pecador) e uma conclusão (Logo, eu espero salvar-me).

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,

Em cuja lei protesto de viver,

Em cuja santa lei hei de morrer

Animoso, constante, firme e inteiro:

Neste lance, por ser o derradeiro,

Pois vejo a minha vida anoitecer,

é, meu Jesus, a hora de se ver

A brandura de um Pai, manso Cordeiro.

Mui grande é vosso amor e o meu delito;

Porém pode ter fim todo o pecar,

E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,

Que, por mais que pequei, neste conflito

Espero em vosso amor de me salvar.

Como se percebe após a análise do poema com especial cuidado para as anotações acima, Gregório, à beira da morte, utilizou-se de um silogismo, técnica comum nas poesias de seus amigos espanhóis, para solicitar a misericórdia divina.

Quanto ao poema “A Jesus Cristo Nosso Senhor”, alguns críticos o colocam como uma tradução “ao pé da letra” de um poema de Quevedo intitulado “A Lope de Vega Carpio”, conforme se pode verificar abaixo:

A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido,

Porque quanto mais tenho delinqüido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vós irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa, que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada,

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na Sacra História.

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada:

Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

A Lope de Veja Carpio

Las fuerzas, Peregrino celebrado

Afrentará del tiempo y del ouvido

El libro que, por tuyo, há merecido

Ser del uno y del outro respetado.

Com lazos de oro y yedra acompañado

El laurel com tu frente está corrido

De ver que tus escritos han podido

Hacer cortos los prêmios que te hán dado.

La indivia su verdugo y su tormento

Hace del nombre que cantando cobras

Y com tu gloria su martírio crece.

Mas yo disculpo tal atrevimiento,

Si com lo que Ella muerde de tuas obras

La boca, lengua y diente enriquece.

Um fato que chama a atenção entre estes dois poemas é que ambos apresentam correspondências estruturais tais como o fato de serem sonetos compostos por versos decassílabos.

Através de uma análise conjunta dos sonetos, percebemos que Gregório realmente se espelhou no modelo quevediano, mas não que seja uma cópia ao pé da letra como informam alguns de seus menos complacentes críticos.

Outro poema gregoriano que enseja violento ataque de seus detratores é “À Maria de Povos, sua futura esposa”, que estes comparam ao poema de Gôngora “Ilustre y hermosíssima Maria”.

Para se ter uma idéia, reproduziremos os mencionados poemas.

Discreta e formosíssima Maria,

Enquanto estamos vendo a qualquer hora,

Em tuas faces, a rosada aurora,

Em teus olhos e boca, o Sol e o dia;

Enquanto com gentil descortesia,

O ar, que fresco Adônis te namora.

Te espalha a rica trança brilhadora,

Quando vem passear-te pelo fria;

Goza, goza da flor da mocidade,

Que o tempo trata a toda ligeireza,

E imprime em toda flor sua pisada.

Ó! Não guardes que a madura idade

Te converta essa flor, essa beleza,

Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Ilustre y hermosíssima Maria

Mientras se dejan ver a cualquer hora

Em tu mejillas La rosada aurora,

Febo em tus ojos, y em tu frente el dia,

Y mientras con gentil descortesia

Mueve el viento La hebra coladora

Que La Arabia em sus venas atesora

Y el rico Tajoen sus arenas cria;

Antes que la edad Febo eclipsado,

Yel claro dia vuelto em noche obscura,

Huya la Aurora de el mortal nublado;

Antes que lo hoy es rubio tesoro

Venza a La blanca nieve su blancura,

Goza, goza el color, La luz, el oro.

Se compararmos o soneto de Gregório ao de Quevedo, verso por verso, observaremos que houve procedimento que indica uma tradução literal. Contudo, se considerarmos que Gregório utilizou algumas partes deste poema e algumas partes de outro poema de Quevedo, poderemos dizer que Gregório utilizou prática muito comum para os poetas da época, prática esta chamada de “bricolagem”

Considerações Finais

Baseados nas análises efetuadas neste artigo, tanto das poesias de Gregório de Mattos e Guerra como dos autores que uma parte da crítica deplora como donos das poesias copiadas acreditamos ter conseguido apresentar dados para que cada leitor alcance um julgamento lúcido e honesto sobre a questão da cópia e do plágio nas ditas poesias.

Entretanto, ressaltamos o quanto consideramos importante para a literatura brasileira um aprofundamento da obra gregoriana, pois apesar das divergências apontadas, não podemos deixar de louvar um poeta que, apesar de ter vivido e versejado em uma terra inóspita onde nem foi possível o registro de sua poesia, ainda permanece até os dias atuais, mesmo que envolto em tantas indagações.

Bibliografia

BOSI, Alfredo – História Concisa da Literatura Brasileira – 43ª edição

COUTINHO, Afrânio – A Literatura no Brasil - Ed.Global – 6ª edição.

COUTINHO, Afrânio – Introdução à literatura no Brasil – 18ª edição.

HATZFELD, Helmut – Estudos sobre o Barroco – Ed. Perspectiva - 2ª edição.

MARTINS, Heitor – Do Barroco a Guimarães Rosa – Ed. Itatiaia.

MATTOS, Gregório – Poemas Escolhidos – Ed. Cultrix.

MATTOS, Gregório – Poemas Satíricos - 2ª edição.

MOISÉS, Massaud – História da Literatura Brasileira – 2ª edição.

MOISÉS, Massaud – A Literatura Brasileira através dos tempos – 25 ª edição

SARAIVA, A.J. & LOPES, Óscar – História da Literatura Portuguesa - 17ª edição .

ZANINI, Marilurdes – “Gregório de Matos: tradução ou plágio? – in: http://www.eventos.evora.pt – acessado em 23.11.08

Luís de Góngora y Argote – in: http://www.wikipedia.org.br – acessado em 23/11/08

Francisco de Quevedo – in: http://www.wikipedia.org.br – acessado em 23/11/08

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