segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Poesia de Luís Fernando Veríssimo

Móveis

Escreveu o poeta para seu amor inconfessado:

Eu queria, senhora, ser o seu armário

e guardar seus tesouros

como um corsário.

Que coisa louca:

ser seu guarda-roupa!

Alguma coisa sólida, circunspecta e pesada

nessa sua vida tão estabanada.

Um amigo de lei (de que madeira eu não sei).

Um sentinela do seu leito – com todo o respeito.

Ah, ter gavetinhas

para suas argolinhas.

Ter um vão

para o seu camisolão

e sentir o seu cheiro, senhora,

o dia inteiro.

Meus nichos

como bichos

engoliriam suas meias-calças,

seus soutiens sem alças.

E tirariam nacos

dos seus casacos.

Ah, ter no colo, como gatos,

os seus sapatos.

E no meu chão, como trufas,

suas pantufas...

Suas echarpes, seus jeans,

Seus longos e afins.

Seus trastes e contrastes.

Aquele vestido com asa

e aquele de andar em casa.

Um turbante antigo

Um pulôver amigo.

Bonecas de pano.

Um brinco cigano.

Um chapéu de aba larga.

Um isqueiro sem carga.

Sueters de lã

E um estranho astracã.

Ah, vê-la se vendo

No meu espelho, correndo.

Puxando, sem dores,

os meus puxadores.

Mexendo com o meu interior

- à procura de um pregador.

Desarrumando o meu ser...

Por um prêt-à-porter...

Ser o seu segredo, senhora,.

e o seu medo.

E sufocar, com agravantes,

todos os seus amantes.

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