Móveis
Escreveu o poeta para seu amor inconfessado:
Eu queria, senhora, ser o seu armário
e guardar seus tesouros
como um corsário.
Que coisa louca:
ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida, circunspecta e pesada
nessa sua vida tão estabanada.
Um amigo de lei (de que madeira eu não sei).
Um sentinela do seu leito – com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas
para suas argolinhas.
Ter um vão
para o seu camisolão
e sentir o seu cheiro, senhora,
o dia inteiro.
Meus nichos
como bichos
engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças.
E tirariam nacos
dos seus casacos.
Ah, ter no colo, como gatos,
os seus sapatos.
E no meu chão, como trufas,
suas pantufas...
Suas echarpes, seus jeans,
Seus longos e afins.
Seus trastes e contrastes.
Aquele vestido com asa
e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo
Um pulôver amigo.
Bonecas de pano.
Um brinco cigano.
Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.
Sueters de lã
E um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo
No meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores,
os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior
- à procura de um pregador.
Desarrumando o meu ser...
Por um prêt-à-porter...
Ser o seu segredo, senhora,.
e o seu medo.
E sufocar, com agravantes,
todos os seus amantes.
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